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terça-feira, janeiro 13, 2009

Arnica

Depois da faculdade, Érika tinha exatamente uma hora para almoçar em casa. Hoje, pelo menos, não ia comer sozinha: tinha a companhia do irmão. Depois, hora de pegar o busão na parada em frente ao McDonalds e correr para o estágio na Esplanada dos Ministérios.

— Por que o seu prato tem vagem, cenoura, abóbora e frango? — perguntou ela, num muxoxo.
— Porque sou mais velho e melhor — retrucou o jovem.
— Você acha bonito ser assim, mala sem alça desse jeito? — respondeu ela, quase rindo.
— Tô de sacanagem, pô. Tá tudo na assadeira, dentro do forno — disse ele, de boca cheia.
— Ah, bom. Só tinha visto arroz, feijão e couve no fogão.

O quase riso diante da falsa canalhice do irmão mais velho não é qualquer bobagem. É o primeiro esboço de algum senso de humor depois de 11 semanas e dois dias perfeitamente riscáveis do calendário. Esse foi o intervalo de tempo entre o dia em que o (agora ex) namorado de Érika foi embora da cidade e o dia do almoço composto por arroz, feijão, couve refogada, frango e legumes assados.

Onze semanas e 48 horas antes, o moço havia ido para Salvador depois de aceitar uma proposta de trabalho. Desde então, nunca mandou uma carta, cartão-postal, e-mail, mensagem de MSN, scrap de Orkut, nada. Tampouco respondeu aos muitos apelos da garota. Atendeu a um telefonema uma vez, para dizer: “Daqui a pouco, te ligo de volta”. Nunca mais. Depois de oito meses de namoro, sem motivo aparente, transformou um coração de 21 anos em purê. Palhaço.

O desdobramento da história foi mais ou menos assim: desde então, a moça chora, chora, chora, come chocolate, chora, pergunta o que fez de errado, chora, busca respostas no I ching online, chora, demora para completar as listas de exercícios da faculdade, chora mais, tem dificuldade para dormir e para acordar (um dia sim, o outro também), chora, pede colo de mãe e chora. Desistiu de procurar o boçal, mas ainda não deixou de parar de pensar na história. Pelo menos, já conseguiu esboçar um risinho.

Uma hora depois, pegou a linha que leva da W3 Norte à Esplanada. Achou um lugar perto da janela. Encostou a cabeça no vidro e não agüentou. Capotou por sabe lá quantos minutos. Acordou num pulo, com algo vagamente parecido com um bicho caindo no seu colo. Abriu os olhos e viu que, na verdade, o tal bicho era um vegetal.

— É a arniiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiica. Cura dor de cabeça, dor na mão, dor no pé, dor nas costas, febre alta, ferida aberta. É arniiiiiiica, minha gente — gritava o homem de voz bêbada, enquanto jogava raízes da planta para os passageiros pegarem — Vocês podem levar, mas agradeço qualquer contribuição que puderem dar — continuou.
— Puta que o pariu. Enfia essa arnica no cu, meu filho— murmurou a moça (boca suja, ela, não?).

Ela olhou em volta e viu que já havia passado a hora de sair do ônibus. Devia ter descido duas paradas antes. Vejam bem: devia. Porque querer, ela não queria era nada. Nada de andar de ônibus, nada de estágio em help desk de ministério, nada de nada. Queria era sumir.

Catou a bolsa, o galho de arnica e desceu. O tempo tinha virado em questão de minutos e uma chuva grossa caía no centro da cidade. Érika pisou na calçada. Molhou os sapatos, as meias e a barra das calças. Pensou no tanto que teria que andar até o trabalho (ainda bem que não estava atrasada) e deu um suspiro. Respirou fundo de novo. O olho se encheu de lágrimas.

— Bosta de vida — pensou, enquanto abria a sombrinha guardada na bolsa.

Assim que achou a primeira lata de lixo, foi lá e jogou fora o pedaço de arnica. Pensou que, para aplacar o que sentia, não bastava só uma raiz. Nem uma planta completa. Nem um jardim inteiro.