sábado, abril 04, 2009

Classificados - parte final

Leia a parte 1 do conto aqui e a 2 aqui.

***************************************
- Sim, eu me lembrei de você quando vi a camiseta do Pixies - disse Alessandra sorrindo discretamente, com medo que o dente estivesse sujo - Lembrei de uma sexta em que todo mundo veio de roupa casual e você apareceu de camiseta de banda. E aí a chefe disse que o esquema era casual, mas nem tanto.
- É verdade. Foi uma bronca elegante - comentou ele meio sem graça, equilibrando uma bandeja do self-service de comida japonesa.
Hugo não puxou mais o "r" como antigamente quando disse "É verdade". E não usava mais camiseta de rock. Para almoçar naquele dia, tinha preferido um exemplar da Armani Exchange. A calça, Alessandra identificou na hora: tinha visto uma igual num anúncio da Diesel na última Vogue. A bolsa em estilo carteiro, dava para notar, era de couro do bom. O ex-estagiário parecia um modelinho, um desses bem gatinhos.
- Senta, Hugo. Você não vai crescer mais por ficar de pé - convidou a moça.
- Obrigado, Alê. E como é que estão as coisas? Como é que está o povo do escritório?
- Estou bem. Estamos todos bem.
- Muita festinha lá?
- Algumas. Agora que descobrimos a torta Toblerone, nem esperamos mais rolar aniversário ou despedida. Às vezes, numa sexta-feira, a gente pede, é ótimo.
- Depois, reclamam que estão gordas... brincadeira.
- Vaza, estagiário - disse ela, fazendo-se de brava.
Na meia hora seguinte, a dupla teve o que deve ter sido o papo mais irrelevante da face da Terra. Um pouco de filmes bobos, um pouco de vida alheia, outro pouco de notícias, the end. Ela, com vergonha de comentar sobre o anúncio do jornal. Ele, sem conseguir dizer direito o que tinha feito depois de sair da multinacional. Não havia arrumado outro estágio. Tinha finalmente se formado. Não estava oficialmente trabalhando, nem buscado emprego, nem estava estudando para concurso público.
- Mas o que tem feito, então?
- Sei lá... coisas - disse ele.
- Preciso de um café - avisou Alessandra - Quer ir junto?
- Eu vou. Quero café também. E brownie.
Frente a frente com o garoto na mesinha da confeitaria do shopping, a moça finalmente tomou coragem.
- Eu vi um anúncio com seu nome e seu telefone no jornal.
Ele riu.
- Sério?
- Sério. Você que fez ou alguém o sacaneou? - perguntou, mesmo lembrando das explicações da amiga que trabalhava nos classificados.
- Eu mesmo fiz.
- Hum - disse ela mastigando as casquinhas de laranja que vinham junto com o café - a vida de quem trabalha em marketing não é tão ruim assim. Dá para ganhar uns dinheiros e não pedir ajuda no jornal. Ainda mais daquele jeito.
- Eu sei. Mas não estava a fim desse esquema. Queria fazer outra coisa.
- Conseguiu?
- Consegui.
- Legal.
- E eu botei logo meu nome de verdade no jornal, tá ligada? Não queria isso de me anunciar com um nome e depois ficar vivendo disfarçado.
- E vocês estão bem?
- Estamos. A Judite é legal, já conheceu meus pais e tudo.
- Ela é conhecida?
- Mais ou menos. Sai naquela revista social de vez em quando. Ela e o marido.
- Arrã.
- O cara é diplomata, não liga muito para ela, mas acho que ela não fica mais triste com isso.
- Sei.
- É essa a história.
- Saquei.
Hugo terminou o brownie. Os dois pediram a conta.
- Vou por aquela porta ali. Preciso voltar pro trabalho - disse a publicitária.
- Eu deixei o carro lá embaixo. Vou nessa escada rolante.
- Bom, se um dia quiser passar no escritório para comer torta de chocolate...
- Claro...
- Ou voltar à vida normal de quem trabalha com publicidade, marketing, essas coisas, passa lá.
- Pode deixar - respondeu ele, dando nela um abraço algo efusivo. Só faltou levantá-la.
Alessandra não teve coragem de dizer que ela era quem tinha ligado perguntando sobre um falso fdp chamado Ambrósio.
Mais tarde naquele dia, ela abriu uma janela no programa de mensagens.
- Quanto você custa, garoto? - redigiu.
Apagou o texto.
- Você é um puta dum cabeça oca, mas quero você para mim.
E deu backspace em tudo de novo.
Ao invés de escrever para Hugo, mandou e-mail para Lu.
- Sabe aquele menino do anúncio? Encontrei com ele hoje. Que merda, viu? Merda. Merda. Beijos, Alê.
*********************************************
Foto: duas minas leem jornalzinho institucional em Nova York, em 1958. Crédito: Walter Sanders / Life.

Nenhum comentário: