quinta-feira, abril 30, 2009

Contos domésticos e escatológicos - 1

Abriu a janela do Google achando-se ridícula por antecipação. Pela primeira vez na vida, ia buscar alguma coisa que não sabia exatamente como definir. Queria saber como acabar com uns bichinhos pequenos — do tamanho de uma ponta de lápis —, cascudinhos e voadores, parecidos com moscas de fruta.

Aparentemente inofensivos, eles eram autores de uma devastação lenta, progressiva e irritante. Deixavam carcomidas as castanhas-de-caju orgânicas antes mesmo que ela abrisse o saquinho. Alojavam-se sorrateiros nos cantos das tampas dos potes que guardavam o açúcar mascavo e a granola. Refestelavam-se no tomilho desidratado, cujo frasco ela havia se esquecido de fechar. Furavam os pacotes de farinha e as sacolas de supermercado que reuniam as embalagens de biscoito de chocolate.

- Bichos insuportáveis. Comem melhor que eu — pensou enquanto buscava a sequência de palavras que lhe permitiria ao menos saber o nome de quem a incomodava.

A pesquisa começou com "insetos pequenos e cascudos" e foi crescendo aos poucos.
"Insetos pequenos, voadores e cascudos", digitou (sem as aspas).
108.390 ocorrências.

Quando viu a quantidade de resultados e a impossibilidade de ver um por um até achar a resposta, resolveu ser mais específica.
"Insetos pequenos, voadores, cascudos e parentes daquele inseto de fruta", acrescentou, com essas exatas palavras. Também não deu muito certo.

Prosseguiu: "Insetos pequenos, voadores, cascudos, parentes da mosca de fruta, que furam sacolas de plástico".
Experimentou a busca por imagens, mas só timidamente.
Ela não é muito boa de Google e já me contou isso.

Fechou a janela da internet se sentindo mais patética ainda. Os bichinhos tinham feito casa no armário da cozinha desde a época da mudança, oito meses atrás. Contra eles, tinha tentado álcool comum (sem isqueiros ou fósforos por perto, é bom dizer), desinfetante, água e detergente, incenso de jasmim, fumaça de baseado (acendeu e ficou soprando em direção à despensa) e outros tantos expedientes.

Alguém havia sugerido a dedetização.
- Nem pensar. Vou botar veneno onde eu guardo meus biscoitos, minhas aveias, minhas frutas secas? — respondeu ela num jeito arrastado, com certa afetação.
- E aquele gel que se põe nos cantos da casa?
- Ah, não. Aquilo é para barata — continuou, enquanto balançava a cabeça — Já pensou? Se um dia houver mesmo aquele ataque nuclear que vai acabar com tudo, vão sobrar as baratas e os bichos da minha cozinha. Ou melhor, é capaz de só ficarem os meus bichos.

Mas depois de tanto tempo de luta inglória, que a levou a fazer as coisas mais impensáveis (não vou nem comentar a história do baseado), ela estava prestes a desistir. Por conta dos estragos, jogou fora muita coisa boa. E por não saber como, afinal, tinham surgido inicialmente, chegou a se perguntar se o conceito de geração espontânea era mesmo tão absurda assim. Eles simplesmente apareceram um dia. Primeiro dois. Três. Quatro. E muito mais na sequência.

Na manhã seguinte à madrugada insone no Google, foi à cozinha, encheu a chaleira de água para fazer o chá e abriu o armário só para sentir o coração um pouco mais agoniado. Numa questão de horas desde a última limpeza, eles haviam ressurgido com uma força nunca vista. E formado uma pequena colônia voadora por trás das portas.

Ela se vê diante de três opções. Mudar-se dali era fora de cogitação: não queria nem pensar em reembalar todas as suas quinquilharias novamente e ir embora daquele chalezinho no condomínio. A primeira: surtar e jogar a água fervente sobre as pseudomoscas de fruta. A segunda: surtar, desaparafusar o armário da parede e queimá-lo com tudo no quintal. Terceira opção: surtar, lembrar-se das palavras lidas naquele livro e, em vez de matar os insetos, deixá-los simplesmente ser. Quem sabe, substituir as portas de madeira por outras de vidro, para que os bichos possam ser admirados em sua plenitude.

Mas, contrariando as próprias tendências radicais, resolveu ligar para o melhor amigo.
- Meu bem, como é mesmo o nome daquela dedetização que você queria me indicar dia desses?

Chamou o moço da dedetizadora, limpou o armário mais uma vez e se despediu melancólica dos últimos frasquinhos de tempero. Com sorte, aquela seria também a despedida dos insuportáveis.

Durante o resto daquela semana, enquanto o veneno assentava, tentou viver de luz por uns dias.
É claro que a falsa dieta não deu certo. Gostava demais de biscoitos de chocolate.

Mas o veneno deu. E finalmente Estela conseguiu viver em paz.

6 comentários:

Anônimo disse...

Identificação total com o texto. Conheço bem essa espécie de insetos cascudos, voadores, comedores de mantimentos alheios que furam sacos de granolas, farinha de trigo, macarrão, etc. Tinha um armário de madeira onde eles faziam a festa e se multiplicavam em velocidade inacreditável. A solução que usei para acabar com essa praga? Troquei o armário de madeira por um de aço, que é frio (nos sentidos literal e figurado) o suficiente para não estimular qualquer visitinha dessas criaturinhas irritantes.

Mari Ceratti disse...

Que bom que conseguiu resolver! :o)

caracol menina ~° disse...

fiquei feliz pela Estela. ninguém merece ser importunado por esses seres, nesse mundo onde ninguém pode desperdiçar ou tem tempo pra cuidar disso porque a gente, às vezes se dedica a acumular coisas, mas depois não consegue utilizar nem cinco por cento.

gosto desses contos, pois figem ao dramalhão doméstico. é tão moderno. tem google e tudo mais. a gente se identifica sem ter paranóia.

ah, aquela estrada dá acesso ao estado vizinho pernambuco. juro que não vejo nenhuma Ribeira do Cabaceiras. rs
no entanto percebe-se a expansão dos robôs.

bueníssimo feriado: para rir alto.
^^

caracol menina ~° disse...

*desperdiçar comida
*fogem

Mari Ceratti disse...

Então, acho que todas as estradas da PB são rodeadas de verde e povoadas por postes-Godzilla. Porque eu vi tudo isso na viagem que fiz até o meio do estado. Juro! :o)
Aproveite o feriado, flor... pq eu não poderei fazê-lo. Snif.
beijos

Luciana Faria disse...

Fui ao Google pesquisar os cascudinhos e achei o seu conto! Identificação total!
E tristeza de pensar que a fonte pode estar no armário de Madeira da cozinha do apartamento alugado.....