domingo, abril 12, 2009

A saga de um banheiro

Em algum momento na faculdade, li uns textos lindos e difíceis espinafrando a enxurrada de imagens e a ausência de reflexão em certos filmes contemporâneos. E, ao mesmo tempo, defendendo um cinema de contemplação, que permitisse ao espectador pensar sobre o significado das imagens que estivesse vendo. Um cinema de histórias simples e muita elaboração mental.

Na teoria, sensacional. Na prática, as leituras desembocaram em alguns dos filmes mais chatos que já assisti nos meus quase 28 anos. Num deles, cujo roteiro acompanhava duas crianças que partiam a pé da Grécia à Alemanha em busca do pai desaparecido, a narrativa era das mais arrastadas. A fotografia, nem colorida nem p&b (isso, pelo menos, fazia sentido, garanto). E, em determinado momento, do nada, a gente via uma mão gigante de concreto saindo do mar, puxada por uma grua montada em um helicóptero. Um negócio totalmente fora de contexto. A gente bem que tentava entender: era a mão do capitalismo sobre a Grécia? Era a mão de Deus que viria para ajudar os dois pequeninos? Che catzo è questo?

Surreal.

Pelo menos essa filmografia rendeu uns causos para narrar por aí. Pelo menos serviu para entender que existem mil formas diferentes de contar histórias. Me ajudou a avaliar filmes além das simples noções de "gosto"/"não gosto".

Voltei a pensar nos tais textos sobre o cinema de contemplação depois de assistir, no começo desse feriadão (que, para mim, significou trabalho todos os dias), a O Banheiro do Papa, que chegou recentemente à locadora mais próxima daqui de casa. Passou em algumas salas aqui em Brasília também, mas justamente numa época em que eu estava viajando, de modo que não deu para ver.

A história é simples. Beto, um homem que faz contrabando de produtos de supermercado entre Brasil e Uruguai, tem a brilhante ideia de montar um banheiro para ser usado pelos milhares (milhões!) de esperados fiéis que acompanharão a visita do pontífice a Melo. A cidadezinha onde Beto mora fica do outro lado da fronteira. O filme tem como diretores Enrique Fernández (estreando na função) e César Charlone. Este último assina a fotografia de filmaços como Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel.

Tantos foram os prêmios arrebatados por aí e tantas foram as críticas positivas que fiquei na maior expectativa ao alugar o DVD. Mas a história se arrasta por longuíssimos 90 minutos (!) com poucos momentos de emoção ou de graça. Gostei muito da filha de Beto, que sonha em largar a cidade e estudar jornalismo em Montevidéu. Fiquei com pena da mulher do contrabandista. Dei umas risadas com uma espécie de versão uruguaia do churrasco na laje. E só.

Não sei se por ter lido alguma coisa previamente, ou pelo fato do filme ser previsível mesmo, saquei logo que aquele projeto mirabolante ia dar em merda (já que estamos falando em banheiro...). E não consegui me comover muito.

A única coisa que se salva, pelo menos para mim, é a fotografia. Não bastasse o fato de as locações serem lindas, o trabalho do Charlone é sensacional. Não houve um só quadro feio. Eu queria ter feito cada uma daquelas fotos, porque são todas geniais.

De modo que pensei: trata-se de uma trama boba a serviço de um dos melhores diretores de fotografia da realidade. É o tal do cinema de contemplação. História simples e superelaboração mental (pense na situação do homem, no ambiente ao mesmo tempo lindo e pobre, na esperança do povo em relação à chegada do Papa, etc.) em torno de imagens incríveis. Não adianta, nem sempre isso me toca.

O filme pelo menos serviu para que eu lembrasse que os filmes de contemplação existem, e que, em algum lugar entre o céu e a Terra, milhares de téoricos fizerm páginas e páginas em torno dele.

3 comentários:

Rodrigo disse...

Cinema é meu forte,a última vez que entrei em um,foi na inauguração das salas de exibição do Park Shopping pra assistir Viagem Insólita!

Anônimo disse...

Mari
Vi o Banheiro do papa e me emocionei. É só tratar do pampa, da fronteira, das nossas parecenças com uruguaios e argentinos que já dobro minha atenção. Sou louco pelo Uruguai. A figura do contrabando - maldade chamar aquele trabalho duríssimo de contrabando (sobrevivência, isso sim) - era tragicômica, mostrando a cara feia do Estado na figura grotesca e corrupta do guardinha da fronteira (que fronteira no meio daquele nada?). Amei os personagens, a singeleza da vida das pessoas, a simplicidade das relações, aquela pobreza/carência, onde a figura da mulher do personagem central segurava as pontas, cuidava da grana com unhas e dentes. A cidade em polvorosa sem noção devida da escala que significava a ida de um Papa - uau - um papa por aqui? vamos lotar a praça de choripan e faturar. O banheiro surge como a idéia "genial" do pobre homem. O ensaio com a família para testar a dinâmica de atendimento à clientela é fantástico e seu ridículo revela - entre outras cenas - a inocência daquele pueblito com relação ao mundo. Apenas mais uma cena latinonamericana.
A fotografia é maravilhosa e o ritmo não podia ser outro em Melo.
Beijo do Marcos
S C. do Sul

Eu, a Mari disse...

Tio Marcos: vou responder seu comentário por e-mail! Beijo

Rodrigo: babei com o seu grau de atualização cinematográfica...