segunda-feira, março 30, 2009

Queres casa?

Tenho a sensação de que, daqui a não muitas décadas, Brasília será como uma dessas capitais quatrocentonas da Europa: uma cidade na qual moram pouquíssimas categorias de pessoas. Primeiro, os velhinhos que compraram apartamentos ou construíram casas há uma era. Segundo, as pessoas de qualquer idade (desde que sejam milionárias) que tiverem grana para comprar ou alugar qualquer coisa (nem que seja para dividir um quarto-e-sala por um aluguel absurdo) dentro do Plano Piloto, dos lagos Sul e Norte, do Cruzeiro ou do Sudoeste. Terceiro, aqueles que herdaram as ditas moradias dos pais e avós.

Quem não for proprietário antigo, nem milionário, nem herdeiro, nem estiver disposto a compartilhar um cubículo com uma galera terá de viver cada vez mais longe dessas áreas. Consigo imaginar as cidades-satélites de Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho, Samambaia e Guará, entre outras, infladas -- quase explodindo -- de gente de classe média disputando seu espaço metro quadrado por metro quadrado. E pagando bem por isso. Aliás, vejo cada vez mais -- na tevê e em panfletos -- ofertas de condomínios elegantes sendo construídos fora do coração do Distrito Federal.

Esse chute sobre o futuro não veio do acaso, mas a partir da observação de todas as pessoas do universo (tá bom, só das pessoas entre 20 e 30 anos que moram aqui). Não há quase ninguém que eu conheça, e olha que eu conheço gente à beça, que não esteja numa pressa daquelas de comprar apartamento. Ou que não esteja na corrida para passar logo num concurso público com um supersalário e, então, comprar um apartamento (cujo preço, claro, acompanha ou antecede a tendência de alta dos salários de vários tipos de servidores do Estado). Ou que não se pergunte se o salário na iniciativa privada será o suficiente para garantir o financiamento de um apê.

Quando vejo tudo isso, me pergunto uma série de coisas. Será sintoma da idade? Digo, essa vontade de ir com tudo rumo à compra da casa própria -- e, portanto, da estabilidade -- é algo típico das pessoas da minha atual faixa etária? Ou será que essas pessoas também estão antevendo o fenômeno que descrevi lá em cima, nos dois primeiros parágrafos?

Certezas, de verdade, só existem três. Uma delas está nas estatísticas. A compra da casa própria está sempre nos primeiros lugares da lista de desejos do brasileiro. Outra é a de que, em breve, não vai mais sobrar lugar para construir na cidade, a não ser que deem uma banana definitiva para o tombamento de Brasília. Com o fim dos espaços, qualquer apartamentinho potencialmente ganhará um valor ultra.

Finalmente, essa espécie de corrida maluca tem muito a ver com uma cidade que tem no funcionalismo público estável (e bem valorizado nos últimos anos) uma de suas principais bases econômicas. Gostaria de ver como ficaria o mercado se as torneiras da verba voltada aos servidores do Estado fossem fechadas com força. Será que a tendência de cortes ao orçamento do setor (como os anunciados recentemente pelo governo) se mantém nos próximos anos?

Até que a resposta seja dada de vez, ainda tenho mais um tempo para decidir se -- algum dia, quem sabe -- me junto à onda de conhecidos, colegas, amigos e cia. e garanto um lugar definitivo na Brasília futurista, inchada e incógnita de dois mil e quelque chose. Ou se simplesmente resolvo ir contra a corrente.

7 comentários:

I Am Evil disse...

É, a única coisa em que Brasília pode ser como uma capital centenária européia é no preço dos imóveis...
Será que eu posso pedir asilo humanitário aqui por motivos de perseguição arquitetônica e urbanística?

Unknown disse...

Brasília continua inchando... e pelo jeito vai longe. E o governo o que tem feito?

Expulsam os pobres moradores de invasões em Ceilândia e outros lugares, mas ao mesmo tempo autoriza a criação de um novo setor em Brasília, numa área de preservação ambiental e reserva indígena. Setor este, denominado Noroeste, que irá conter apartamento cujo o preço é mais de 1 milhão de reais.

Ao mesmo tempo, da os lotes nos becos das cidades, como o Gama, para militares, onde nós já sabemos o que eles fazem com os lotes, vendem para terceiros.

É difícil entender...

Mari Ceratti disse...

Evil: acho que pedir asilo humanitário em Paris não só é superválido, como também chiquérrimo. Em qualquer época, nada comove tanto quanto a condição de asilado/exilado na Cidade Luz. La raison n'importe pas, rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs.

Edelson: tudo isso é bem verdade. Só espero que todas essas pessoas que inflarão Bsb nos próximos anos não tenham que andar exclusivamente de carro. Que tenham pelo menos um metro maior e mais decente para andar por aí. Do contrário, será uma visão do inferno. Será que os governantes daqui vão repetir os erros de todas as outras grandes cidades, como São Paulo?

Unknown disse...

Mari,

Tá dificil responder a sua pergunta, pois hoje temos carroças (leia-se ônibus velhos) rodando nas ruas da capital. Carros que deveriam está fora das ruas a pelo menos 10 anos. Além disso em quantidades pequenas. Ou podemos ter até ônibus demais, mas nas garagens e não nas ruas.

Vamos torcer para que isso mude! e que todos um dia possamos andar de baú, ou metrô como se fosse nosso carro confortável. (É meio suspeito um busólogo falar isso, mas tá valendo).

rsrsrs
Bjus! ;)

RC disse...

É uma lógica irracional, que não se sustenta, pois aqui é relativamente barato se alugar os mesmos imóveis vendidos como ouro. Ou seja, o valor é artificialmente inflado, em parte pela falta de informação. Basta fazer uma análise comum no mercado de aluguel, de que o aluguel deve corresponder a cerca de 1% do valor do imóvel. No Plano essa proporção não chega a 0,4%. A explicação é simples: no aluguel o inquilino sente mais a facada. Portanto seria muito difícil alugar por 1% de um valor fictício. Já na compra todo mundo acha que está se dando bem. Mas a crise imobiliária americana já provou que não há bolha que se sustente para sempre. Comprar imóvel no Plano, agora, é loteria pura. Pode-se ganhar muito $$. Ou...

Mari Ceratti disse...

RC, seu comentário faz mto sentido. Percebi esse duelo entre valor de compra e de aluguel na época em que saí da casa dos meus pais.

Quando a gente ainda pensa que, além de caros, os apês são mal desenhados e com mil probleminhas estruturais, é de se perguntar: quem, nesse mundo, acha que está fazendo um bom negócio?

Já vou ler seu blog...
Abraços, Mari

Eduardo Palandi disse...

nota dez pro post, Mariana. sinto exatamente a mesma coisa... e sem a menor vontade de comprar um apartamento, por mais que queira ficar por aqui.