quinta-feira, abril 30, 2009

Contos domésticos e escatológicos - 1

Abriu a janela do Google achando-se ridícula por antecipação. Pela primeira vez na vida, ia buscar alguma coisa que não sabia exatamente como definir. Queria saber como acabar com uns bichinhos pequenos — do tamanho de uma ponta de lápis —, cascudinhos e voadores, parecidos com moscas de fruta.

Aparentemente inofensivos, eles eram autores de uma devastação lenta, progressiva e irritante. Deixavam carcomidas as castanhas-de-caju orgânicas antes mesmo que ela abrisse o saquinho. Alojavam-se sorrateiros nos cantos das tampas dos potes que guardavam o açúcar mascavo e a granola. Refestelavam-se no tomilho desidratado, cujo frasco ela havia se esquecido de fechar. Furavam os pacotes de farinha e as sacolas de supermercado que reuniam as embalagens de biscoito de chocolate.

- Bichos insuportáveis. Comem melhor que eu — pensou enquanto buscava a sequência de palavras que lhe permitiria ao menos saber o nome de quem a incomodava.

A pesquisa começou com "insetos pequenos e cascudos" e foi crescendo aos poucos.
"Insetos pequenos, voadores e cascudos", digitou (sem as aspas).
108.390 ocorrências.

Quando viu a quantidade de resultados e a impossibilidade de ver um por um até achar a resposta, resolveu ser mais específica.
"Insetos pequenos, voadores, cascudos e parentes daquele inseto de fruta", acrescentou, com essas exatas palavras. Também não deu muito certo.

Prosseguiu: "Insetos pequenos, voadores, cascudos, parentes da mosca de fruta, que furam sacolas de plástico".
Experimentou a busca por imagens, mas só timidamente.
Ela não é muito boa de Google e já me contou isso.

Fechou a janela da internet se sentindo mais patética ainda. Os bichinhos tinham feito casa no armário da cozinha desde a época da mudança, oito meses atrás. Contra eles, tinha tentado álcool comum (sem isqueiros ou fósforos por perto, é bom dizer), desinfetante, água e detergente, incenso de jasmim, fumaça de baseado (acendeu e ficou soprando em direção à despensa) e outros tantos expedientes.

Alguém havia sugerido a dedetização.
- Nem pensar. Vou botar veneno onde eu guardo meus biscoitos, minhas aveias, minhas frutas secas? — respondeu ela num jeito arrastado, com certa afetação.
- E aquele gel que se põe nos cantos da casa?
- Ah, não. Aquilo é para barata — continuou, enquanto balançava a cabeça — Já pensou? Se um dia houver mesmo aquele ataque nuclear que vai acabar com tudo, vão sobrar as baratas e os bichos da minha cozinha. Ou melhor, é capaz de só ficarem os meus bichos.

Mas depois de tanto tempo de luta inglória, que a levou a fazer as coisas mais impensáveis (não vou nem comentar a história do baseado), ela estava prestes a desistir. Por conta dos estragos, jogou fora muita coisa boa. E por não saber como, afinal, tinham surgido inicialmente, chegou a se perguntar se o conceito de geração espontânea era mesmo tão absurda assim. Eles simplesmente apareceram um dia. Primeiro dois. Três. Quatro. E muito mais na sequência.

Na manhã seguinte à madrugada insone no Google, foi à cozinha, encheu a chaleira de água para fazer o chá e abriu o armário só para sentir o coração um pouco mais agoniado. Numa questão de horas desde a última limpeza, eles haviam ressurgido com uma força nunca vista. E formado uma pequena colônia voadora por trás das portas.

Ela se vê diante de três opções. Mudar-se dali era fora de cogitação: não queria nem pensar em reembalar todas as suas quinquilharias novamente e ir embora daquele chalezinho no condomínio. A primeira: surtar e jogar a água fervente sobre as pseudomoscas de fruta. A segunda: surtar, desaparafusar o armário da parede e queimá-lo com tudo no quintal. Terceira opção: surtar, lembrar-se das palavras lidas naquele livro e, em vez de matar os insetos, deixá-los simplesmente ser. Quem sabe, substituir as portas de madeira por outras de vidro, para que os bichos possam ser admirados em sua plenitude.

Mas, contrariando as próprias tendências radicais, resolveu ligar para o melhor amigo.
- Meu bem, como é mesmo o nome daquela dedetização que você queria me indicar dia desses?

Chamou o moço da dedetizadora, limpou o armário mais uma vez e se despediu melancólica dos últimos frasquinhos de tempero. Com sorte, aquela seria também a despedida dos insuportáveis.

Durante o resto daquela semana, enquanto o veneno assentava, tentou viver de luz por uns dias.
É claro que a falsa dieta não deu certo. Gostava demais de biscoitos de chocolate.

Mas o veneno deu. E finalmente Estela conseguiu viver em paz.

quarta-feira, abril 29, 2009

Quero tempo

Preciso de tempo para ouvir mais música, para ver mais filmes, para ler mais, para fotografar artes, pessoas e insetos, para ver a rua (sem ser do ponto de vista do volante), para olhar para o teto e ter ideias de assuntos para escrever. Tão difícil ser bacana, cool, criativo ou qualquer outro adjetivo do tipo quando praticamente todos os minutos do dia estão ocupados com coisas para terminar e com a pressa de chegar a mil lugares.

Pelo menos sei que haverá algo lindo no final desta correria, daqui a 10 dias.

terça-feira, abril 28, 2009

Posso voltar no tempo?

Sempre que leio os textos de divulgação sobre as duas seleções abaixo, dá uma vontadinha de voltar no tempo. Ou de ser de outra época -- uma vez que os concursos foram criados quando eu já não era mais uma pessoa escolar. Vejam só:

* Estão abertas desde 24 de março e até 29 de junho as inscrições para o 5º Concurso Universitário de Jornalismo CNN. O tema deste ano é “O uso da tecnologia no desenvolvimento social.” (Nota da Mari: tema ótimo e com mil possibilidades de recorte, superfácil, minha gente) Este ano, o estudante poderá produzir quantas matérias quiser e enviar o vídeo de até 2 minutos pelo YouTube.O concurso é válido somente para estudantes de jornalismo.O ganhador conhecerá os estúdios da CNN International, além de ter sua matéria exibida pelo canal. As inscrições podem ser feitas no site http://www.concursocnn.com.br/. Há também um blog do concurso: http://www.concursocnn.com.br/2009/blog (podia ter atualizações mais regulares, mas apresenta textos com temas interessantes).

* A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil abriu as inscrições para o programa Jovens Embaixadores 2010, que vai levar 35 estudantes para três semanas de mil atividades na terra de Barack H. Obama. As despesas são todas pagas. Para participar, é preciso ter de 15 a 18 anos (xi, tô velha), estudar em escola pública (pô, eu estudei), ter fluência em inglês e participar há pelo menos um ano de algum programa de responsabilidade social. Tá na dúvida se é uma oportunidade boa ou não, se se inscreve ou compra uma bicicleta? Bem, você tem até o dia 12 de agosto para pensar. Mais informações aqui.

(Como é bom ser uma mulher novamente conectada à internet!)

Pensem...

... no que é querer blogar durante quase um dia inteiro e não conseguir por causa da *&%&(#!!! da conexão de internet. Desisto.
:-(

domingo, abril 26, 2009

Uma baiana com limón en la cabeza


Não sei quanto a vocês, mas eu nunca tinha ouvido falar - até ontem à noite - no cantor espanhol Gecko Turner (foto). Nascido na comunidade autônoma de Extremadura, na fronteira com Portugal, o cara tem criações irreverentes e misturadas, com altas doses de rebolation. A princípio, pensei que o autor de Limón en la cabeza fosse Manu Chao num momento menos engajado, mais relax e totalmente entregue à música brasileira, mas me enganei completamente.

Quando falo que a música de Turner - nascido Fernando Gabriel Echave Pelaez - é misturada, não exagero. A bagunça começa nas letras cantadas em espanhol, português (inclusive com expressões brasileiras) e inglês. E prossegue nas melodias, que fundem rock, jazz, sons da África, ritmos latino-americanos (como o samba) e um monte de outras coisas. Como a maldita mídia burguesa (risos) adora dar rótulos a tudo (mais risos), ela inventou logo uma classificação para o trabalho do espanhol: "soul afromeño".

Para mim, é música para botar todo mundo para dançar na Criolina (festa de samba rock e black music que lota o Bar do Calaf, em Brasília, às segundas-feiras). Será que algum DJ lê este blog?

Os discos de Gecko Turner, Guapapasea! e Chandalismo ilustrado, ainda não estão à venda no Brasil, mas é superfácil ouvi-los na internet. Você pode acessar o site oficial (onde quase todas as músicas podem ser ouvidas até quase o fim) ou o Myspace do artista.

Também há dois clipes no Youtube (não confundir com o rapper Gecko, que também canta em espanhol). Moças, vocês entenderão por que não coloquei os vídeos aqui. ;-)

Bom restinho de domingo!

sábado, abril 25, 2009

Hoje tem música



Galera, hoje não vou conseguir escrever post comprido. Estou (mega) cansada, de plantão e com um dever de casa enorme para terminar. :-(

Mas deixo vocês com Peter Gabriel em Mercy Street, que deu origem a um dos meus vídeos preferidos. Amanhã eu estarei melhor... e 100% de volta.

sexta-feira, abril 24, 2009

Perguntas explosivas

Uma conversa no café hoje me motivou a escrever este post sobre perguntas potencialmente detonadoras de gafes, constrangimentos, caos na Terra e outros que-tais. Não deixa de ser um prolongamento daquele texto sobre os diálogos incríveis .

Se alguém quiser acrescentar perguntas, contar sua história, etc., vai ser ótimo. ;-)

- Você está grávida?
- Para quando é o seu bebê?
- Mas quem é o pai?
- Você é a babá?
- ... E quem é a mãe?
- Para quando é o casamento?
- E aí, quando vocês engravidam?
- Ela é sua filha? (Imagine ouvir um "Não, é minha namorada" como resposta ... pois é, eu já ouvi isso)

quinta-feira, abril 23, 2009

Quinta, 23

Hoje é dia do livro, do chorinho e de Jorge, o santo guerreiro. Portanto, um bom dia. Valeu esperar para nascer justamente nele.

Gostaria de postar um vídeo com Jorge Ben Jor cantando Domingo 23, mas como não encontrei, fico com o registro abaixo... que deve agradar principalmente àqueles que passaram o início dos anos 90 dançando house com passinhos ensaiados.

Enjoy! ;-)

quarta-feira, abril 22, 2009

Na tevê

Esta é para quem gosta de grafite, arte urbana e outras coisas de que eu quase não falo neste blog: deve rolar reprise hoje, às 12h30 e às 18h30, na Globonews, do programa Starte que mostrou o trabalho de Gustavo e Otávio Pandolfo. Conhecidos como osgemeos, eles ganharam fama pintando seus personagens amarelos pelos muros desse mundão. Chegaram até a fachada do Tate Modern, supermuseu de arte moderna em Londres (na foto acima), e de um castelo na Escócia (veja aqui). O programa é curtinho, tem meia hora apenas, e por isso dá a sensação de que a conversa foi insuficiente. Mas eu adorei assim mesmo.

terça-feira, abril 21, 2009

Números redondos

Galera, hoje o blog alcançou a marca de 5 mil acessos desde a retomada, em janeiro passado.

Pode parecer uma bobagem - afinal, tem gente com 5 mil acessos por dia -, mas eu adoro comemorar essas coisas. Ainda mais quando estou a dois dias de fazer aniversário (de novo, hehe).

Se tivesse grana, promoveria uma comemoração decadente, com bandas de rock e champanhe a rodo, mas como não cheguei lá ainda... fico com um singelo yeah! o/

Esqueci de dizer: o visitante de número 5 mil veio dos EUA. ;-)

10 coisas realmente incríveis em Brasília

Eu prometi, agora cumpro: depois de descer o sarrafo na cidade naquele post lá, listo 10 coisas adoráveis daqui. É esquisito falar tão docemente sobre a capital depois de citar tantas coisas ruins, mas eu só falo mal de Brasília porque gosto mesmo dela. Vai entender.

* O contraste entre as cores de um ipê amarelo florido e o azul do céu de junho.

* Ver as pessoas felizes e à vontade tomando sol, caminhando, ouvindo chorinho aos domingos e brincando de samurai (é sério) no Parque Olhos d’Água. Tudo isso rola no Parque da Cidade também, mas o Olhos d’Água é bem menor, de modo que a galera fica mais concentrada. Rola um calor humano à moda brasiliense, saca?

* Tudo feito pelo Athos Bulcão (saudade dos cubos do Teatro Nacional).

* Misto árabe frio e quibe do Beirute.

* Ouvir a música de quem toca no Clube do Choro.

* O pão de queijo com queijo suíço do Clube do Choro.

* Rádio Câmara e Rádio Cultura: públicas e modernas.

* A arquitetura da Catedral: leve, graciosa e nada opressiva.

* Quituart. O lugar vale praticamente por uma sauna. Mas há diversidade de lugares para comer, um restaurante árabe com um cordeiro esperto e o mais importante: há gente para ver.

* Rua dos Restaurantes (quadra comercial da 405 Sul), Rua das Farmácias (102 Sul), Rua dos Salões (314 Norte), Rua das Elétricas (109 Sul), Rua das Noivas (304 Norte) e todas que se estabeleceram da forma mais improvável que se pode imaginar. Explico a quem é de fora: nenhuma dessas quadras foi feita especificamente para os fins que acabei de listar. Tempo e razões econômicas contribuíram para que lojas do mesmo tipo confluíssem para uma só quadra. Isso pode ser um jeito espontâneo de deixar a cidade mais careta ou uma forma careta de dar um pouco mais de espontaneidade à capital. Depende só da sua interpretação.

Agora é a sua vez, nobre leitor. Mas não vale tentar ser engraçadinho(a) e citar coisas do tipo "o finger do aeroporto por onde embarco para ir embora", ok? Pronto, falei. Beijos.

segunda-feira, abril 20, 2009

Perguntório incrível, diálogos improváveis, etc.

Uma pergunta inusitada -- e lançada a mim -- no sistema de comentários do Diário da África me fez lembrar algumas das indagações mais surreais que já ouvi nos últimos 27-quase-28 anos.

Senhora hispanohablante desconhecida, de uns 50 anos, num corredor de hotel na Argentina - Você está em estado interessante?
Mari em fase magrinha - Não... você está?

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Homem desconhecido e de idade incerta, ao telefone - E aí, Mariana, vamos fazer?
Mari no telefone do trabalho, no dia mais complicado de todos - Hã? Fazer o quê? Quem tá falando?
Homem - Mas você não disse que estava interessada?
Mari - Meu senhor, não se faz esse tipo de pergunta sem dizer pelo menos quem está falando. Quem é você?
Homem - A gente acabou de conversar, meu bem. É o fulano, da xyz, que passou a pauta sobre a morte da bezerra.
Mari - Fulano, desculpa falar isso, mas acho que você ligou para a Mariana errada. Há quatro outras mulheres com o mesmo nome aqui.
Homem - Ai, meu Deus. Com quem será que falei mesmo?

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Outro homem desconhecido, no telefone do trabalho - Adivinha quem é?
Mari - Putz. Não tenho a menor ideia.
Homem 2 - Faz um esforço, vai. Se você acertar, te pago um café.
Mari - Moço, olha só: eu tô no trabalho, no horário em que todas as coisas do mundo acontecem. Não tenho a menor condição de adivinhar nada. Conta para mim quem é o senhor.
Homem 2 - É o fulano de tal, do Rio Grande do Sul (e começa a contar uma história incrível).
Mari - Nossa, isso é muito legal. Seu fulano, vê se da próxima vez não faz esse mistério todo, faz favor? (risos gerais).

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Voz de gênero incerto, ligando de DDD do reino de Far, Far Away, ao celular, de manhã cedo - Quem está falando?
Mari - Você quer falar com quem?
Voz de gênero incerto - Você é jornalista?
Aperto a tecla "end".

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Agora chegou a sua vez de contar a história. Escreve lá nos comentários, vai.

domingo, abril 19, 2009

Macro


Devo ter sido entomologista ou cão de caça numa vida passada, porque adoro observar um inseto. Esse aí pousou na sala daqui de casa e ficou assim o dia inteiro. Achei até que ele tivesse escolhido essa parede para morrer (acontece muito). À noite, começou a voar igual um doido, até ficar de saco cheio e parar perto da tela da tevê. Depois disso, não sei o que aconteceu com ele, pois tenho mais o que fazer da vida. Hehehe.

sábado, abril 18, 2009

Fui fotografar

Todas as quadras de Brasília (pelo menos acho eu) têm uma construção grandinha em forma de cubo, que funciona como aparato da companhia de eletricidade. Eventualmente, essas caixas também servem como espaço para pichadores, pintores, grafiteiros, etc. Difícil achar uma que esteja 100% branca.

Em época de Copa do Mundo, por exemplo, não há uma que não fique pintada de verde e amarelo, com aquelas mensagens típicas de torcida. Essa, que fotografei mais cedo na Asa Norte, ainda tem resquícios do tempo em que a gente achava que ia ganhar o hexacampeonato na Alemanha. Mas eles vão sendo substituídos aos poucos por outros tipos de manifesto.

Os seres que habitam esses desenhos são de um mundo totalmente à parte.

A foto abaixo, apesar de meio torta, mostra bem a proporção entre a caixa e o prédio residencial. Acho esse desenho muito legal, apesar de me fazer lembrar que uma parcela gigante dos bons grafiteiros começam com a pichação.

O sonho do hexa foi tomado por cogumelos. :o)
Será que tudo isso resiste à chegada da Copa de 2010? Ou a caixa de eletricidade vai virar canarinha de novo?

sexta-feira, abril 17, 2009

De como ser sozinho em Brasília

Você pode morar sozinho. Até aí, tudo bem.

Você pode sair de casa e, ao dar bom-dia para o vizinho, receber um ‘arrã’… ou simplesmente nada. Mas, se acontecer o contrário, será bem legal.

Pode ir à quadra comercial para comprar ou comer alguma coisa e dar bom-dia, boa-tarde ou boa-noite para a pessoa que irá atendê-lo. Num dia de muita sorte, ouvirá de volta o mesmo cumprimento. Num dia razoável, simplesmente um ‘bom’ ou ‘boa’ ou sua variante: ‘oa’. Num dia ruim, verá que a cara de quem está do outro lado do balcão não está lá essas coisas. Aí, ficará com vergonha de ser mané supereducado e simplesmente pedir o que quer. Mas dizer ‘por favor’ e ‘obrigado’ ainda é permitido.

Para ir à maior parte dos outros lugares além dos limites da quadra, você pegará, naturalmente, o carro. Uma vez dentro dele, você dirigirá sozinho, falará sozinho, cantará sozinho e xingará sozinho o motorista que, para variar, não deu seta nem pediu passagem (para quê, né? quase ninguém dá mesmo): simplesmente entrou na faixa de pista onde você está. Ao parar no sinal, conte quantos carros com gente solitária existem à sua volta.

Se estiver a pé, verá que é uma raridade no cenário. Se for um dia de chuva, se sentirá como o Charlie Brown, do Snoopy, ao saber que a água que escorre pela pista molhou a sua roupa… com a ajuda do ônibus que passou pertinho da não-calçada, claro.

Se tiver de frequentar bastante algum lugar (escola, faculdade, trabalho ou academia, por exemplo), é bom avisar: pode ser que algum dia você diga um ‘olá’ e fique no vácuo. Mas não é porque você falou baixo ou porque a outra pessoa está com raiva de você (afinal, ontem/num dia desses, ela conversou contigo normalmente e tudo correu bem). Ela pode só estar com preguiça de… ah, de alguma coisa aí. Dependendo do ambiente, adotar essa preguiça (ou sabe-se lá qual o nome disso) aos poucos pode virar uma estratégia de defesa. Afinal, você não vai ser o mané bem-educado da história.

Se for ao cinema, só se sentará ao lado de desconhecidos quando não houver mais alternativa.

Passar por tudo isso num dia só é difícil (baita azar, hein?). Mas não é raro viver aqui e experimentar cada uma dessas estranhezas em dias diferentes.

Talvez um dia você viaje e ache incrível ver os que vão à praia e tomam sol tão perto uns dos outros (e tão numa boa); aqueles que batem papo com alguém que acabaram de conhecer enquanto estão na fila do banco ou esperam os carros pararem no sinal vermelho. Mas, ao voltar à terra árida, é bem possível que toda a expansividade (re)adquirida lá fora vá murchando com o passar do tempo.

E aí, vai deixar a cidade de concreto armado embrutecê-lo? Ou vai fazer como naqueles versos e ser gentil assim mesmo?

Taí uma pergunta difícil. Numa cidade acusada (muitas vezes, com justiça) de ser fria, a resposta pode ser uma ou outra. Depende do dia.

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Na próxima terça, dia 21, aniversário de Brasília, eu posto um texto bem doce sobre a cidade, prometo.

quinta-feira, abril 16, 2009

Histórias de esquecimento

Ouvi três boas hoje e reproduzo-as aqui. Para não expor as viventes (por motivos óbvios), vou botar só as iniciais dos nomes. :-)

"Saí do trabalho ontem e fui até a faculdade, em Taguatinga, para devolver um livro na biblioteca. Quando cheguei lá, me dei conta de que estava usando o crachá do trabalho para tentar passar na catraca da faculdade. Me dei conta de que saí do trabalho, peguei o ônibus e fiquei uma era com o tal do crachá. E todo mundo olhando, claro."
L.

"Sabe aqueles pro-pés que dão nos consultórios de dentista? Eu sou campeã de sair da consulta e ir para a rua com eles. Esses dias mesmo, saí, peguei o elevador, andei no shopping, fui para a rua e só vi que ainda estava com eles quando cheguei ao estacionamento. Pense num mico!"
A.

"Há uns anos, participei de uma seleção numa empresa. Como o esquema era dinâmica de grupo, todos os candidatos botaram na blusa uma fita crepe com os nomes deles escritos. Pois eu saí de lá e fui andando normalmente até encontrar um outro lugar onde seria legal arrumar trabalho. Fui até a recepção e pedi informações para a mocinha, que lá pelas tantas disse: '... funciona desse jeito, C.' E eu, intrigada, perguntei: 'Como você adivinhou o meu nome? Eu não me apresentei'. E ela: 'É que tem uma fita crepe na sua roupa...'."
C.

quarta-feira, abril 15, 2009

Viva Pauline Croze!

A moça está longe de ser gata, mas canta umas músicas lindas. Graças a ela, comecei a perder a preguiça que tinha de música pop francesa. Com vocês, T'es beau.

terça-feira, abril 14, 2009

Sobremesa

A imagem de um indivíduo diante de um caminho bifurcado é uma coisa poderosa. Pegar a pista da esquerda ou a da direita significa ter de aguentar no osso as consequências de uma decisão sábia ou de uma bobeira monstra.

Essa embromada pseudofilosófica foi só para começar a dizer que ontem, em determinado momento do dia, eu tinha, à minha esquerda na mesa, metade de um mamão formosa. À direita, um bombonzinho quadrado de chocolate recheado com pistache, a coisa mais linda do mundo. E daí que eu, menina diet, fiquei assim... só observando.

Quem convive comigo sabe que só como mamão por militância. Não adianta dizer que é uma delícia, que tem um monte de vitaminas, que ajuda a evitar acidez no estômago, etc., etc. Reconheço que é nutritivo, saudável e por aí vai. Como justamente por isso. Mas, das frutas que conheço, é a que menos me faz feliz. É o prêmio de consolação para quando todas as outras acabaram, ou quando o único contraponto para a fruta é aquele doce que te convida à decadência.

Eu devia ter fotografado isso: o mamão que tirei da geladeira, à esquerda, e o bombom, à direita. Entre a sobremesa e mim, apenas uma pequena pista bifurcada.
Fico com a fonte mais-ou-menos de vitaminas? Ou com um quadradinho inofensivo que balança entre o louvável e o politicamente incorreto? Prefiro virtude ou pecado?

A dúvida não durou muito tempo. Vários argumentos fundamentaram a decisão. Uma delas foi aquele comercial antiguinho em que o Luís Fernando Guimarães está no banco e, quando perguntado se queria chá ou café, ele responde: "Chá e café, por favor". Em seguida, a mãe do personagem (vivida pela Deborah Bloch) responde: "Essa Lúcia Helena, do ********, mima você demais, Renato Horácio!". Era bom demais.

Decidi que queria mamão e bombom. Assim, nessa ordem.
Justifiquei isso para mim mesma com um ensinamento antigo: primeiro, dar conta das coisas mais difíceis; depois, das mais fáceis, gostosas, incríveis e achocolatadas.

Tanto porque o gosto do chocolate embota o de qualquer fruta.
Acho que fiz uma boa decisão. Uma ótima sobremesa. Pecado e virtude.

segunda-feira, abril 13, 2009

Coisas

Gente, recebi agora há pouco a indicação deste blog ao Prêmio Top Blogs.
Parece coisa bem boa. :-)
Falo mais sobre isso assim que tiver mais informações. Beijos.

domingo, abril 12, 2009

A saga de um banheiro

Em algum momento na faculdade, li uns textos lindos e difíceis espinafrando a enxurrada de imagens e a ausência de reflexão em certos filmes contemporâneos. E, ao mesmo tempo, defendendo um cinema de contemplação, que permitisse ao espectador pensar sobre o significado das imagens que estivesse vendo. Um cinema de histórias simples e muita elaboração mental.

Na teoria, sensacional. Na prática, as leituras desembocaram em alguns dos filmes mais chatos que já assisti nos meus quase 28 anos. Num deles, cujo roteiro acompanhava duas crianças que partiam a pé da Grécia à Alemanha em busca do pai desaparecido, a narrativa era das mais arrastadas. A fotografia, nem colorida nem p&b (isso, pelo menos, fazia sentido, garanto). E, em determinado momento, do nada, a gente via uma mão gigante de concreto saindo do mar, puxada por uma grua montada em um helicóptero. Um negócio totalmente fora de contexto. A gente bem que tentava entender: era a mão do capitalismo sobre a Grécia? Era a mão de Deus que viria para ajudar os dois pequeninos? Che catzo è questo?

Surreal.

Pelo menos essa filmografia rendeu uns causos para narrar por aí. Pelo menos serviu para entender que existem mil formas diferentes de contar histórias. Me ajudou a avaliar filmes além das simples noções de "gosto"/"não gosto".

Voltei a pensar nos tais textos sobre o cinema de contemplação depois de assistir, no começo desse feriadão (que, para mim, significou trabalho todos os dias), a O Banheiro do Papa, que chegou recentemente à locadora mais próxima daqui de casa. Passou em algumas salas aqui em Brasília também, mas justamente numa época em que eu estava viajando, de modo que não deu para ver.

A história é simples. Beto, um homem que faz contrabando de produtos de supermercado entre Brasil e Uruguai, tem a brilhante ideia de montar um banheiro para ser usado pelos milhares (milhões!) de esperados fiéis que acompanharão a visita do pontífice a Melo. A cidadezinha onde Beto mora fica do outro lado da fronteira. O filme tem como diretores Enrique Fernández (estreando na função) e César Charlone. Este último assina a fotografia de filmaços como Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel.

Tantos foram os prêmios arrebatados por aí e tantas foram as críticas positivas que fiquei na maior expectativa ao alugar o DVD. Mas a história se arrasta por longuíssimos 90 minutos (!) com poucos momentos de emoção ou de graça. Gostei muito da filha de Beto, que sonha em largar a cidade e estudar jornalismo em Montevidéu. Fiquei com pena da mulher do contrabandista. Dei umas risadas com uma espécie de versão uruguaia do churrasco na laje. E só.

Não sei se por ter lido alguma coisa previamente, ou pelo fato do filme ser previsível mesmo, saquei logo que aquele projeto mirabolante ia dar em merda (já que estamos falando em banheiro...). E não consegui me comover muito.

A única coisa que se salva, pelo menos para mim, é a fotografia. Não bastasse o fato de as locações serem lindas, o trabalho do Charlone é sensacional. Não houve um só quadro feio. Eu queria ter feito cada uma daquelas fotos, porque são todas geniais.

De modo que pensei: trata-se de uma trama boba a serviço de um dos melhores diretores de fotografia da realidade. É o tal do cinema de contemplação. História simples e superelaboração mental (pense na situação do homem, no ambiente ao mesmo tempo lindo e pobre, na esperança do povo em relação à chegada do Papa, etc.) em torno de imagens incríveis. Não adianta, nem sempre isso me toca.

O filme pelo menos serviu para que eu lembrasse que os filmes de contemplação existem, e que, em algum lugar entre o céu e a Terra, milhares de téoricos fizerm páginas e páginas em torno dele.

sábado, abril 11, 2009

É um mistério

Ultimamente, a tevê de blogueiro (vejam o link na barra do blog, à direita) tem mostrado que vários moços, rapazes, meninos, tiozões, etc., têm chegado aqui depois de digitar, no Google, frases do tipo "como saber se estou apaixonado". Assim mesmo, no masculino. Apaixonado.

O fato de que tanta gente precise recorrer ao Google para responder a uma questão tão simples é algo que nunca vai deixar de me intrigar.

sexta-feira, abril 10, 2009

A música do arquipélago



Até alguns anos atrás, a informação de que a maior parte dos cabo-verdianos vive fora do país de origem) estava registrada nos meus arquivos mentais como "cultura inútil" (se houver alguém nascido por lá lendo este blog... foi mal). Esse dado foi promovido à categoria de "coisa bem interessante" recentemente. A culpa :-) é de umas descobertas que fiz sobre a música do arquipélago.

Por lá, enfrentar o mar, migrar, ir embora parece ser uma coisa tão comum que não haveria como não entrar no repertório poético local. Vou dar exemplos de três artistas de Cabo Verde aqui, mas é bem capaz que haja muitos outros de gente que nem conheço ainda.

Tudo começou com a Cesária Évora, cantora de umas tantas músicas legais que tocam de vez em quando num programa da Rádio Câmara. Entre elas, Sodade. Quem clicar no link vai ver, além do vídeo, a letra ao lado, que é supercompreensível (nos comentários, há também uma tradução em inglês). Daí que ela fala... do sentimento de deixar a terra natal. "Se você me escrever, eu vou escrever; se me esquecer, vou te esquecer até o dia em que eu voltar", entoa a diva. Mas a gente sabe, quando ouve a canção, que esse retorno provavelmente nunca acontecerá.

Tempos depois, ouvi pela primeira vez o Simentera num post do Diário da África. Achei Raiz uma música tão visceral e incrível (reparem nos momentos finais) que comecei a buscar outras canções do grupo. Há algumas na Last.fm (ouça mediante um cadastro chatíssimo, pelo menos para mim) e outras no Youtube. Das que estão no portal de vídeos, a melhor é Febri Funana. O nome me faz lembrar dos tempos em que eu jogava Carmen San Diego no DOS, e a letra, mais uma vez, toca no tema da saudade da terra. Mas de uma forma bem-humorada, como comprova o seguinte trecho (traduzido, claro):

"A burguesia foi para a Holanda
Quem tem algum dinheiro foi para Lisboa
Quem não está tão mal assim foi para Angola"

(A frase seguinte eu não sei traduzir, hehehe).

A descoberta mais recente foi a Mayra Andrade, de Tunuka, cujo videoclipe abre este post. Soube dessa cabo-verdiana por meio da brasileira Mariana Aydar, que cantou a música em dois shows (um no Teatro da Caixa, há uns dois anos, e outro no último sábado). E, recentemente, incluiu-a no repertório de seu mais novo disco, Peixes pássaros pessoas.

Um colega do trabalho fez uma cópia do álbum de estreia da Mayra Andrade, Navega, e pronto: me apaixonei pelo trabalho dela.

Update: leia aqui a letra de Tunuka, que, para variar, fala de emigração. Gosto demais dos versos "Nu uni korasom, nasionalidádi dja-nu tem dja" e "É nós ki mbárka pa Sam Tomé". São fortes e nem precisam de tradução.

Ouçam e comentem: digam aí se não é bem legal.

quinta-feira, abril 09, 2009

O Vento

Hoje vou de vídeo de música (O Vento, Los Hermanos), porque ainda há muuuita coisa para fazer...
Amanhã tem post novo e bem legal. Beijos.

quarta-feira, abril 08, 2009

Experimentos - parte 2

Nina e Suri provavelmente estão entre as coisas mais fofas e apertáveis da face da Terra. Só não são AS mais porque: 1) Meu coração é e sempre será de Frida, da família I am Evil; 2) Ambas, apesar de fofas, são algo frenéticas; é meio difícil inseri-las num ambiente com mini-seres humanos, como o do churrasco que rolou no último domingo. Ainda assim, elas merecem ser fotografadas -- e muito.

Nina começou a sessão de fotos quietinha. Suri, então, nem se fala.

Como boa coa :-) que é, Nina ficou atiçada ao ver e ouvir os movimentos e barulhos da câmera. Suri ficou atiçada ao ver que Nina começara a latir.

É frenesi à beça, minha gente!

Normalmente, não gosto de fotos com mãos supostamente não-identificadas aparecendo. Mas nesse caso é legal... reparem à esquerda uma parte da mão do dono. Isso explica por que elas sossegaram na hora...

E fizeram até um certo dengo depois.

terça-feira, abril 07, 2009

Experimentos vários

No último fim de semana, aproveitei para fazer umas experiências fotográficas. Desta vez, mudei um pouco o objeto: ao invés dos grafites e traçados urbanos, preferi observar um superquintal. O resultado nem sempre foi bucólico, o que me agradou demais. :-)


Esse pássaro ficou por horas instalado no galho da árvore aí de cima. Como o céu não estava lá essas coisas, tentei um p&b. Deu um ar de filme de terror à cena.

A silhueta das árvores e o céu: isso é bem brasiliense.



Pitangas com flash...

... e pitangas sem flash. Acho que essas ficaram melhores.



Uma palmeira e um avião. Se eu levar essa imagem ao Superpop, vão dizer que é ovni, rsrsrs.

Amanhã tem mais.

segunda-feira, abril 06, 2009

Mais um selo!

Yeah! o/ Ganhei do Mephisto, amigo de longuíssima data, chiquérrimo e bom pianista pacas, o selo que Vs. Sas. veem acima. A exemplo do que acontece com o Prêmio Dardos e outros regalos concedidos aos blogs, existem algumas regrinhas a cumprir. Senão vejamos... :-D

- Falar seis coisas deliciosas na vida: viajar, comer, dormir, amar, nadar (no mar, principalmente) e emagrecer.
- Postar as regras para que os outros as repassem;
- Inserir o selinho que você recebeu;
- Escrever uma frase, citar um título ou contar uma historinha sobre seis assuntos nos seguintes segmentos: vida, cinema, literatura, viagem, amor e sexo.

Vida
Passa de forma opressivamente rápida. Pô, nasci dia desses e vou fazer 28 anos já já!

Cinema
"Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o bonito" (Do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, 1987)

Literatura
Mario Quintana, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Oscar Wilde: eles mudaram a minha vida e também podem mudar a sua! rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Viagem
Eu termino uma e já fico ansiosa querendo saber quando e para onde será a próxima. Tenho medo que haja mais lugares para conhecer do que vida para viver.

Amor
Não existe conhecimento sem amor, como não existe escrita sem observação. Parece uma definição meio sem pé nem cabeça, mas - pelo menos para mim - vale para tudo que existe!

Sexo
A antiga ditadura da repressão foi trocada pela atual ditadura da liberalidade. E ambas são uma porcaria.

Por fim, é preciso indicar uma pessoa para receber o selo. Acho que ele vai ficar uma delícia no blog da Paula Menna Barreto, que aborda a vida do lado de lá, nos Estados Unidos.

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Deixa eu aproveitar e dizer que botei dois links novos na lista de blogs: o Pensées Oubliées, do Mephisto, e o Viver em Brasília, do Edelson (que sempre faz uns comentários legais por aqui).

sábado, abril 04, 2009

Classificados - parte final

Leia a parte 1 do conto aqui e a 2 aqui.

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- Sim, eu me lembrei de você quando vi a camiseta do Pixies - disse Alessandra sorrindo discretamente, com medo que o dente estivesse sujo - Lembrei de uma sexta em que todo mundo veio de roupa casual e você apareceu de camiseta de banda. E aí a chefe disse que o esquema era casual, mas nem tanto.
- É verdade. Foi uma bronca elegante - comentou ele meio sem graça, equilibrando uma bandeja do self-service de comida japonesa.
Hugo não puxou mais o "r" como antigamente quando disse "É verdade". E não usava mais camiseta de rock. Para almoçar naquele dia, tinha preferido um exemplar da Armani Exchange. A calça, Alessandra identificou na hora: tinha visto uma igual num anúncio da Diesel na última Vogue. A bolsa em estilo carteiro, dava para notar, era de couro do bom. O ex-estagiário parecia um modelinho, um desses bem gatinhos.
- Senta, Hugo. Você não vai crescer mais por ficar de pé - convidou a moça.
- Obrigado, Alê. E como é que estão as coisas? Como é que está o povo do escritório?
- Estou bem. Estamos todos bem.
- Muita festinha lá?
- Algumas. Agora que descobrimos a torta Toblerone, nem esperamos mais rolar aniversário ou despedida. Às vezes, numa sexta-feira, a gente pede, é ótimo.
- Depois, reclamam que estão gordas... brincadeira.
- Vaza, estagiário - disse ela, fazendo-se de brava.
Na meia hora seguinte, a dupla teve o que deve ter sido o papo mais irrelevante da face da Terra. Um pouco de filmes bobos, um pouco de vida alheia, outro pouco de notícias, the end. Ela, com vergonha de comentar sobre o anúncio do jornal. Ele, sem conseguir dizer direito o que tinha feito depois de sair da multinacional. Não havia arrumado outro estágio. Tinha finalmente se formado. Não estava oficialmente trabalhando, nem buscado emprego, nem estava estudando para concurso público.
- Mas o que tem feito, então?
- Sei lá... coisas - disse ele.
- Preciso de um café - avisou Alessandra - Quer ir junto?
- Eu vou. Quero café também. E brownie.
Frente a frente com o garoto na mesinha da confeitaria do shopping, a moça finalmente tomou coragem.
- Eu vi um anúncio com seu nome e seu telefone no jornal.
Ele riu.
- Sério?
- Sério. Você que fez ou alguém o sacaneou? - perguntou, mesmo lembrando das explicações da amiga que trabalhava nos classificados.
- Eu mesmo fiz.
- Hum - disse ela mastigando as casquinhas de laranja que vinham junto com o café - a vida de quem trabalha em marketing não é tão ruim assim. Dá para ganhar uns dinheiros e não pedir ajuda no jornal. Ainda mais daquele jeito.
- Eu sei. Mas não estava a fim desse esquema. Queria fazer outra coisa.
- Conseguiu?
- Consegui.
- Legal.
- E eu botei logo meu nome de verdade no jornal, tá ligada? Não queria isso de me anunciar com um nome e depois ficar vivendo disfarçado.
- E vocês estão bem?
- Estamos. A Judite é legal, já conheceu meus pais e tudo.
- Ela é conhecida?
- Mais ou menos. Sai naquela revista social de vez em quando. Ela e o marido.
- Arrã.
- O cara é diplomata, não liga muito para ela, mas acho que ela não fica mais triste com isso.
- Sei.
- É essa a história.
- Saquei.
Hugo terminou o brownie. Os dois pediram a conta.
- Vou por aquela porta ali. Preciso voltar pro trabalho - disse a publicitária.
- Eu deixei o carro lá embaixo. Vou nessa escada rolante.
- Bom, se um dia quiser passar no escritório para comer torta de chocolate...
- Claro...
- Ou voltar à vida normal de quem trabalha com publicidade, marketing, essas coisas, passa lá.
- Pode deixar - respondeu ele, dando nela um abraço algo efusivo. Só faltou levantá-la.
Alessandra não teve coragem de dizer que ela era quem tinha ligado perguntando sobre um falso fdp chamado Ambrósio.
Mais tarde naquele dia, ela abriu uma janela no programa de mensagens.
- Quanto você custa, garoto? - redigiu.
Apagou o texto.
- Você é um puta dum cabeça oca, mas quero você para mim.
E deu backspace em tudo de novo.
Ao invés de escrever para Hugo, mandou e-mail para Lu.
- Sabe aquele menino do anúncio? Encontrei com ele hoje. Que merda, viu? Merda. Merda. Beijos, Alê.
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Foto: duas minas leem jornalzinho institucional em Nova York, em 1958. Crédito: Walter Sanders / Life.

sexta-feira, abril 03, 2009

Eu sei

Eu sei que hoje deveria postar a terceira parte do conto Classificados. Ele está inteirinho na minha cabeça, mas não vai dar tempo de colocá-lo no ar hoje (essa desculpa foi digna de um menino de quinta série). Só amanhã. Sorry! :-(

Enquanto isso, fiquem com o clipe de Elektrobank, do Chemical Brothers... aqui. Sensacional.

quinta-feira, abril 02, 2009

Classificados - 2

Essa é a segunda parte do texto de ficção Classificados, que começou ali embaixo. Voltem lá para ler do começo, ou este blog se autodestruirá em 10 segundos! hehe

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Mais tarde naquele dia, quando o expediente estava quase no fim, Alessandra abriu duas janelas no Gtalk. Uma para tentar falar com Hugo.


— Querido, vi uma camiseta do Pixies no Conic sábado e me lembrei de você. Beijo — escreveu.

A outra janela era para conversar com Lu, amiga que trabalhava na seção de classificados do jornal onde viu o anúncio do ex-colega.

— Miguxaaaaaaaaaaaaaa — escreveu Alessandra.
— Quem vê vc de terninho de alfaiataria até pensa q vc é séria… hauhauhauahuahuahuauaua — respondeu Lu.
— Amiga, deixa eu te perguntar um negócio. Tem como eu botar um anúncio nos classificados como forma de sacanear outra pessoa?
— Como assim?
Cara, uma história cabulosa. Acho que alguém botou um anúncio no jornal se fazendo passar por um amigo meu. E esse anúncio é daqueles de pessoas que pedem ajuda financeira em troca de um sweet love.
— Shit!!
— Pq?
— Porque é impossível fazer isso nesse tipo de anúncio. A pessoa não pode anunciar sem apresentar um documento de identidade e autorizar pessoalmente a publicação daquele texto.
— Sei…
— A gente faz isso para evitar problemas, processos, sabe?
— Entendi. Tô passada, amiga. O menino não dava a menor pinta de nada.
— Vcs estavam ficando?
— Não… longe disso.
— Ele é gatinho, pelo menos? Me diz que anúncio é para eu ligar pra ele… rsrsrsrsrsrsrs.
Rica de dinheiro, carente de amor. VC é assim? Sou novinho, bonito e preciso de aj. financ. Podemos conversar e ++++++…
— Hauhauhauhauauahuahuahuahuahuahauhauhauahuhauahuahuahuahuaha!!!!
— Que tal????
Sou pobre e auto-suficiente (com hífen ou sem??). Ele não dá para mim. Hahahahaha. Preciso ir, Alê.
— Eu tb. Vamos almoçar no fim de semana??? Bjão. Ah, agora é autossuficiente. Eca.
— Vamos. Sexta eu te ligo para a gente decidir o lugar. + bjo.

A resposta de Hugo na outra janelinha nunca veio.

Levando isso em conta, Alessandra resolveu esquecer a história. Tinha ficado muito, muito, quase patologicamente curiosa (era de sua natureza), mas também não ia perder tempo com futricas. O menino não era amigo nem nada, era colega, companhia de almoço no chinês, só isso. O anúncio rendeu umas risadas, uns papos engraçados e fim de linha.

O sábado chegou, Alessandra almoçou com Lu. Semanas depois, a temporada de chuva acabou e a Páscoa passou voando. Meses depois, quando a grama dos jardins passava do verde para o bege-palha, a moça saiu sozinha do escritório na hora do almoço e viu-se numa espécie de bifurcação imaginária. Podia comer no chinês — sem Hugo, claro — ou no shopping. Preferiu a segunda opção. Estava de botinhas de salto e não queria detoná-las no caminho de terra até o Ni Hao (esse era o nome do restaurante).

Andou devagar entre as lojas da praça de alimentação lotada. Viu sanduíches, saladinhas, massas, sushis e grelhados. Resolveu pedir um risoto com filé e esperar na primeira mesa vazia que encontrou. Quando começou a comer, viu que alguém tinha parado de pé à sua frente.

— Quer dizer que você lembra de mim quando vê o Pixies…

Era o Hugo.

Continua amanhã.

quarta-feira, abril 01, 2009

Vejam

Simplesmente a melhor pegadinha de 1º de abril.
Estou chocada! Tem gente que ainda se dedica a esse tipo de coisa. :-)

Classificados

Dentista, viúvo e carinhoso, 55a., 1,75, 70kg, Lago Sul, procura mulh 30-50a p namoro soss. XXXX-XXXX.

SOU morena, olh. verdes, magrinha, mãe solt. e prec. de aj. para pag escolinha. YYYY-YYYY.

Pai Luís. Traga a pessoa am. de volta, derrube os inimigos, conquiste o $$$ que sempre sonhou! LIGAR som. interessados. Tenho FEITIÇO contra pessoas baixas, mal iluminadas espiritualmente, que insistem em passar trote. WWWW-WWWW.

Rica de dinheiro, carente de amor. VC é assim? Sou novinho, bonito e preciso de aj. financ. Podemos conversar e ++++++… Hugo. %%%%-%%%%.

Alessandra passou pelo anúncio de Hugo uma vez. Duas vezes. Três vezes. Comparou o número que havia nos classificados com o que estava armazenado no celular. O nome e o telefone eram os mesmos do jornal. E afundou ainda mais os dedos nos cabelos quando se lembrou do ex-estagiário com quem trabalhava lado a lado no marketing de uma multinacional com escritório de andar inteiro em Brasília.

Ficou entre o riso — pela cafonice óbvia do texto, coisa que adorava ver nos classificados — e um certo desconforto de saber que aquele menino bonitinho e discreto, que gostava de roupas descolex, tinha vindo do interior de São Paulo e lutava contra o próprio sotaque era dado a… um pedido de ajuda financeira via jornal. Entre os dois, havia rolado um ano de convivência sem grandes estresses. O guri era prestativo, mas longe de ser brilhante. Razoável. Bem relacionado. Tanto que ganhou uma festinha com torta Suflair e tudo — o que jamais era dado aos estagiários — quando anunciou que se desligaria da empresa em busca de novas oportunidades.

A moça olhou para a tela do celular e começou a mover o polegar de modo inquieto sobre o teclado. Queria ligar para Hugo, mas não tinha coragem. Para dizer o quê? Oi, Hugo, vi seu anúncio no jornal hoje, que legal, e tal? Nããããããão. Ela queria saber um monte de coisas, mas sem que isso significasse fazer perguntas diretas ao menino que, de vez em quando, topava andar na terra vermelha com ela, tomar o sol do meio-dia e encarar o bufê chinês do prédio de escritórios do outro lado da rua.

Interessava-lhe saber: ele saiu do escritório para tentar outra oportunidade na área e deu tudo errado? A vida de estagiário de marketing tinha ficado tão difícil assim? Ou a nova oportunidade já estava riscada nos classificados, entre um anúncio de pai-de-santo e outro de casal liberal?

Fechou o celular. Decidiu esperar até o dia seguinte e ligar do serviço. O telefone de lá era exibido como “particular” nas binas dos celulares.

Quando a segunda chegou e a reunião das 9h acabou, Alessandra ligou, tentando disfarçar a voz.

— Bom dia, esse é o celular do Ambrósio?
— Não.
— %%%%-%%%%?
— Não mesmo.
— Mas o Ambrósio me deu esse número.
— Deu errado. Esse é o celular do Hugo.
— Ambrósio fdp! Desculpe.

E desligou. Tirou o lenço que segurava os cabelos crespos e passou os dedos das duas mãos na cabeça.
— O Hugo é louco — pensou.

Continua amanhã.