segunda-feira, janeiro 19, 2009

Selma

Eu sempre fui uma fã de livros de viagens. Devorei todos os Lonely Planet que pude, todos os Frommer’s, alguns Michelin e todos os guias com aquelas crianças remelentas na capa. E sou uma colecionadora daquelas revistinhas culturais que vêm em qualquer bom jornal do mundo. Mas, por mais que se leia tudo isso, sempre existe alguma coisa que só os moradores do local conhecem, alguma oportunidade ou roubada que só eles sabem identificar. Eu falo assim porque cheguei a Brasília ontem à tarde para uma reunião hoje na universidade e me aconteceu algo interessante na noite passada. O que eu faço? Sou professora no Rio de Janeiro. Sempre tive uma enorme curiosidade de conhecer Brasília, mas o timing nunca dava certo. Agora vou vir aqui durante um bom tempo porque estou participando de um grupo de trabalho na UnB. Daqui a pouco eu te conto mais sobre isso.


Pois bem: cheguei aqui com ótimas indicações, todas lidas na internet, a respeito de um barzinho no meio da Asa Sul. Como ninguém conhecido ia poder me acompanhar, botei minha roupa social e fui sozinha. Saí do hotel, peguei um táxi e, quando cheguei, vi que o lugar era realmente um charme. Detalhe número um: estava cedo demais. Nenhum brasiliense chega nesse bar às oito e pouco da noite. Só havia um casal de garçons e um rapaz lindíssimo, nos seus 30 anos, sentado numa banqueta, afinando um violão. Escolhi uma mesa e, em determinado momento, vi que ele estava me olhando. Achei isso muito normal. Tenho 45 anos e continuo absolutamente vistosa. Sempre fui assim: morenona, altona, com peitão e bundão. Claro que, depois de uma determinada idade, a pele e os cabelos já não são mais essas coisas, mas ainda assim sinto-me muito bem. Desde que me separei, há três anos, recebo cantadas de homens de todas as idades. Repito: todas.


Cumprimentei o músico e começamos a conversar, cada um no seu canto. Ele me explicou que tinha vindo de Goiânia e estava tocando ali havia três semanas, sempre às quartas-feiras. Deu um risinho e disse que o repertório era surpresa. Pedi uma taça de espumante, um sanduíche parecido com um croque monsieur e deixei-o falando, falando, falando. Quando vi, tinha dado a hora da apresentação começar. Mesmo assim, não havia quase ninguém no lugar. O pessoal só começou a chegar umas três músicas depois. O curioso é que ninguém se sentava no interior do bar, que, por sinal, é elegantíssimo. Iam todos para uma espécie de varanda, um puxadinho ao ar livre, sabe?


O violonista era fantástico. Além de bonito, era afinado, tinha voz de cantor da Motown. E, como todas as pessoas que entravam iam direto para o tal do puxadinho, sem dar a menor bola para a tal da música ao vivo, criou-se uma situação interessante: ele cantou para mim o show inteiro. Olhava para a partitura e olhava para mim. Senti que ele começou a mandar recados por meio das canções. Cantou várias músicas românticas do Buena Vista Social Club, de Caetano Veloso, do Marvin Gaye, do Rod Stewart. E, no intervalo, veio direto para a minha mesa. Falou várias bobagens. Muito facinho esse cantor. Só me faltava essa: vir para Brasília para uma reunião e arrumar um casinho de uma noite.


A gracinha continuou na segunda metade do show. Para cada música típica de repertório de bar, ele vinha com algo absolutamente inusitado e sensual. Eu, que já estava na terceira taça de espumante, me perguntei se a lingerie estava decente e se a depilação estava em dia. As respostas foram, respectivamente, sim (nada de calcinha bege) e sim. Ah, meu Deus, e cada olhar. Comecei a contar quanto faltaria para o fim da apresentação.


Quando ele finalmente chegou, o rapazinho começou a agradecer por todos que tinham ido lá naquela noite (a verdade era que ninguém tinha dado a mínima; descobri que o pessoal vai para a varanda para não ter de pagar couvert artístico, pode? Isso, só quem é local sabe). Avisou que aquela música era a última da noite e uma de suas preferidas. E aí me dei conta de que ele não tinha cantado nada nem de Chico nem de Vinicius. Pensei que seria um final maravilhoso para um show assim, romântico. Pois lá veio ele com Chico e Vinicius.

"Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar..."

Juro que não entendi. O homem me passa o show inteiro falando em magia, paixão e sedução e, no final, me vem com “gente humilde, que vontade de chorar”? E o que ele cantaria depois que a nossa transa acabasse? Trocando em Miúdos? Credo. Perdi a vontade na hora. No meio da música, fui ao banheiro, chamei um táxi, fechei a conta e fim. Até esperei ele terminar, mas sem ânimo algum. Inventei um mal súbito, dei-lhe um beijinho no rosto e fui embora. Ele ainda me perguntou se eu não lhe daria o meu telefone, mas desconversei. Adoro os homens, adoro namorar e não tenho nenhum preconceito contra histórias de uma noite. Sei que viver esse tipo de coisa vai ficar mais difícil daqui pra frente. Ao mesmo tempo, sei de uma coisa: o peito é meu, a bunda é minha, a pele é minha. E só dou tudo isso a quem tem um mínimo de coerência.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tem certas situações tão inusitadas,digamos assim, que nem o propalado jogo de cintura do carioca dá jeito.

Clara Arreguy disse...

Show de bola, Mari! Que bela história de mulherzinha. Adoro. Sou, defendo e gosto!

O blog tá leve, poético, gostoso!

Beijão e siga firme!

Mayra disse...

Hehehehe, também adorei essa. Volto a repetir, vivam os blogs e sua ausência de editores. =)