quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Andréa - Um texto de ficção, parte 2

Por favor, não siga lendo este texto se você não acompanhou o começo da história, contada logo ali embaixo. Trapacear e ler o fim das coisas antecipadamente é para os fracos, ora.
Beijos, Mari.

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Conduziu o carro em direção a uma área de cerrado deserta e próxima ao Lago Sul, onde tinha visto queimarem lixo uma vez. No caminho, mordia os lábios de tanto nervosismo. E se perguntava quem teria denunciado. Talvez, o ex-noivo, pensou. Ele cismou que ela havia lhe dado um chifre durante uma dessas viagens. Não adiantou explicar uma, duas, três vezes que nada tinha acontecido.

Poderia ser a atual namorada do ex. A moça, outra ciumenta surtada, andou seguindo-a e telefonando sem dizer quem era. Quando descobriu onde Andréa morava, tentou invadir a quitinete e afastar as consumidoras.

Ou, quem sabe, a mãe ou o irmão mais novo. Dona Marli não aprovava o sustento da filha de jeito nenhum — ao mesmo tempo, nunca contou para o pai. Kleber praticamente deu um piti quando soube o que a irmã fazia para ajudar a pagar-lhe a faculdade. Depois, meio sem jeito, pediu desculpas e veio perguntar se não tinha como ela incluí-lo no negócio.

— Tutti buona gente — murmurou, lembrando a frase que tinha aprendido com uma das clientes.

A cidade ainda estava escura. De sacola nos braços e luvas nas mãos, Andréa pegou uma pequena trilha e caminhou em direção a um monte de entulho. Eram tantas as pedrinhas e tantos os buracos no terreno de argila dura que ela quase torceu o pé direito. Não parecia haver uma viva alma a quilômetros de distância. Se houvesse, estava ferrada.

Despejou o conteúdo da bolsa em meio ao entulho. Quando acabou, juntou a própria sacola ("que material vagabundo, não vai fazer falta", pensou) e as luvas. Jogou a garrafa inteira de álcool e acendeu o isqueiro. O fogo pegou logo. Ainda olhando para o montinho, deu alguns passos para trás até se convencer de que tudo queimaria por completo. Depois, virou-se e caminhou o mais depressa que pôde até o carro. Dirigiu rápido também. Só freava para não ser pega nos pardais.

Quando chegou, a polícia ainda não tinha chegado. Sentou-se na cama, acendeu um cigarro e se pôs a esperar, com as mãos trêmulas. O cigarro se extinguiu. Andréa trocou de roupa. Preparou café. Acendeu mais um. Fez a pedicure. Começou a organizar os armários para se certificar de que não sobrara mais nada da mercadoria. A madrugada se transformou em manhã. E a campainha tocou.

- Polícia Federal — anunciou uma voz feminina.

Andréa ouviu de olhos fechados os termos do documento. Abriu a porta.

- Entrem — disse, num suspiro.

"Nem veio muita gente", pensou, enquanto encostava-se na parede ao lado da porta e observava sua quitinete cuidadosamente arrumada ser posta de ponta-cabeça. Roupas, revistas, livros, fotos, sapatos, produtos de limpeza, os poucos copos, pratos e talheres que tinha, tudo ficou fora do lugar.

A busca terminou. Ninguém encontrou nada. Depois de uma formalidade qualquer, Andréa se viu novamente sozinha em 35m2 de pura bagunça. Sentou-se no chão e respirou fundo. Pensou em ligar para o celular de uma das companheiras e dizer que estava caindo fora. Receber um mandado de busca e apreensão e sair tocando fogo pela cidade eram o suficiente. Só faltava decidir o que fazer. Podia vestir um terninho dos tempos de secretariado e rumar para o primeiro preparatório para concursos que encontrasse. Podia fechar a quitinete em Brasília, voltar para a casa dos pais, em Anápolis, e usar o dinheiro que juntou para fazer alguma coisa. Podia enlouquecer de vez e ir para a praia vender artesanato.

Por ora, optou pela saída mais fácil: tomar banho e ir caminhando até a lanchonete a duas quadras dali. Banhar-se, caminhar, fumar e tomar milk-shake de Ovomaltine, não necessariamente nessa ordem, são boas coisas quando não se sabe exatamente o que fazer.

Antes de sair de casa, tentou ligar para Jussara e Mila. Celulares desligados.

Quando passou a chave na porta para voltar à rua, Andréa lembrou-se do trato que haviam feito caso fossem pegas: nunca, jamais, em tempo algum, entregar uma à outra ou colocar uma à outra em condição de suspeita.

Ao por os pés no térreo, o corpo da moça travou.
Andréa temeu que o pacto não valesse nada.

3 comentários:

Anônimo disse...

Apesar do título "Andréa, uma obra de ficção", não faltam Andréas nesse país afora.

Mari Ceratti disse...

E como! Estamos exportando Andréas.
Tive de dizer que era de ficção para não acharem que conheço a moça... ou, pior, acharem que eu sou a moça. ;-)
Bjo!

Anônimo disse...

Hehehe...Acho difícil confundirem você com a Andréa. Mas o melhor foi o final. Quem nem precisou de trato algum para livrar a moça do imbróglio foi a policial federal que, pelo jeito, não deve ter titubeado entre o cumprimento das obrigações ou manter os seus creminhos.