terça-feira, fevereiro 03, 2009

Andréa, uma obra de ficção - Parte 1

Andréa acordou num pulo, às 4h, quando ouviu a voz de Bell Marques, do Chiclete com Banana, na música que havia escolhido para toque de celular. Pensou imediatamente em tragédia. Em algo que poderia ter acontecido com a mãe, que era hipertensa; com o pai, segurança; com o irmão mais novo, que saía sem hora para voltar para casa durante as férias da faculdade. Do outro lado da linha, ouviu a voz sussurrando com um forte sotaque pernambucano.


-Minha linda, sou eu. Dê um jeito de se livrar da sua mercadoria AGORA, que os homi estão indo à sua casa com um mandado de busca e apreensão.

- Lascou. Obrigada, flor — disse, desligando e botando a mão na cabeça.


Precisava dar um jeito rápido, muito rápido. Felizmente, era pouca coisa em estoque, tudo dentro de uma só sacola de ginástica. Mais felizmente ainda, Jussara e Mila estavam fora da cidade. Haviam viajado para repor o estoque. As três, que se conheceram numa associação de classe forte, poderosa e dona de um gigantesco prédio na zona central de Brasília, tinham se tornado parceiras depois de se verem de saco cheio da vida, do salário e do crachá discriminatório a que tinham direito. Eram secretárias terceirizadas, uma desgraça do mercado de trabalho local. E, ao mesmo tempo, não queriam entrar na vala comum dos concorrentes aos concursos públicos voltados para pessoas com ensino médio.


Mas também eram espertas. Com os contatos que fizeram entre as madames com quem trabalhavam — e as amigas, irmãs, primas, mães, filhas e sobrinhas das moças — , montaram uma rede de vendas razoavelmente famosa na cidade. Conhecida somente no boca a boca, vale dizer, porque o campo de atuação do trio era absurdamente ilegal. As três compravam no Paraguai e comercializavam no Distrito Federal cópias quase perfeitas das lingeries, dos cremes cheirosos e dos perfuminhos fabricados por uma cobiçada marca norte-americana. A vantagem estava nos preços, 50% menores do que os dos originais. E o atendimento era feito com precisão. Com agenda organizadíssima, com hora marcada para no máximo duas mulheres por vez e sempre num lugar diferente. As jovens moravam em quitinetes bem afastadas umas das outras, todas em prédios comerciais sossegados.


As compradoras enlouqueciam. Andréa, Jussara e Mila haviam conquistado gente de diferentes idades, origens, classes sociais e profissões. Inclusive uma policial federal — pernambucana radicada em Brasília — que se descobriu outra mulher depois de experimentar o hidratante com aroma de mirtilo e chantili. Essa mesma que ligou para a fornecedora às 4h depois de saber da existência de um mandado de busca e apreensão dirigido a ela.


Se algum dia qualquer uma do trio fosse pega, o combinado era que uma jamais entregaria a outra. Mas, em dois anos, nunca precisaram colocar o trato em prática. Se recusavam a viajar juntas em ônibus de sacoleiros. Preferiam rotas alternativas pela Argentina. Quando a grana ficou melhor, podiam dar-se até ao luxo de viajar de avião. Buscavam passagens baratas pela internet e iam. O segredo era nunca fazer farofa, falar alto, nem usar roupas chamativas. Preferiam as calças feitas na costureira, a falta de maquiagem e os pseudo-óculos de grau com aros grossos.


- Ninguém olha para mulheres assim — justificou Mila, bem no começo da empreitada.


Andréa não teve muito tempo para pensar. Promover uma revoada de calcinhas, sutiãs e cintas-liga através da janela da quitinete (já pensou?) era fora de cogitação. Primeiro, porque chamava a atenção demais. Segundo, porque ninguém pegaria aquilo tudo àquela hora da madrugada. Terceiro, porque continuaria sem saber o que fazer com os creminhos que sobravam. Vestiu os pseudo-óculos (davam-lhe um ar intelectual) e teve uma ideia. Nem sequer trocou de roupa: saiu de quimono e chinelos. Pegou a bolsa de ginástica, um par de luvas de borracha, uma garrafa de álcool, o isqueiro Zippo comprado no Paraguai e a chave do Uninho.


Conduziu o carro em direção a uma área de cerrado deserta e próxima ao Lago Sul, onde tinha visto queimarem lixo uma vez. No caminho, mordia os lábios de tanto nervosismo.


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Se tudo der certo, continuo amanhã, minha gente. Beijos.

7 comentários:

Anônimo disse...

nessas áreas correm riscos de queimada?
é esse o perigo maior para a população.

dora isso, tentam sobreviver, de forma menos sufocada.

veremos a continuação.

:)

Mari Ceratti disse...

Oi, Solin!

Não sei se vc conhece Brasília bem... a cidade é cheia de supercampos vazios (de grama ou de cerrado) que, às vezes, ficam tão abandonados pelo Estado que algumas pessoas passam a morar nesses lugares, a jogar entulho ali e, eventualmente, até podem queimar esse lixo. Na maior parte das vezes, a população não corre risco justamente porque essas áreas são vazias. Mas é um crime ambiental feio, já que o cerrado é frágil e qualquer foguinho pode se espalhar rapidamente.

A continuação vai entrar no ar já já! ;-)

Beeeijo!

Anônimo disse...

Cara Mari,

acho que você está com Pulsação Narrativa.

bração,
Quemel

Mari Ceratti disse...

Querido Quemel,
Será que meu caso é grave? Devo consultar um especialista?
Beijo!

Anônimo disse...

Não, basta clicar no link que está no post da Pulsação Narrativa e saber mais..kkkkkkkkkkkkkkk

Mari Ceratti disse...

Mestre,
Agora que li seu post sobre pulsação narrativa, tudo faz sentido.
Eu fui tratada pelo mesmo doutor que atendeu ao Arthur. Ele me recomendou que lesse o livro da Goldberg, que não sai mais do meu carro, e voltasse ao blog.
Desde então, meus sinais vitais voltaram ao normal -- e vão se manter assim enquanto eu continuar escrevendo essas linhas cibernéticas.
Vou até deixar um agradecimento aqui: valeu, doutor! kkkkkkkkkkkkkk
Beijo!

Anônimo disse...

Cara Mari,

estou adorando seus post nessa nova fase. Todos os dias passo aqui para aprender um pouco mais.

Pois é, mas o Jorge Arthur está com muita dificuldade para descobri quem é esse tal médico. Voltou lá...CONTINUA.

KKKKKKKKKKKKK