segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Sete semanas - 3

O bebê não soltou um gemido sequer na primeira madrugada de vida. Ainda assim, Rosa não pregou o olho. Não conseguiu pensar imediatamente numa reação. O que fazer quando o anormal está perto assim, aninhado no peito, não é algo que se encontre num livro qualquer sobre maternidade.

Num primeiro momento, decidiu que usaria as mantas e touquinhas para esconder o detalhe enquanto mãe, avó e médico estivessem ali. Mas a medida não adiantou por muito tempo.

— O cordão já caiu? — perguntou a mãe, depois de alguns dias.
— Já — respondeu a garota.
— Vamos dar banho nele, então — sugeriu dona Carolina.
— Pode deixar, eu faço isso.
— Não vai me deixar ficar perto do meu neto?
— Você está perto do seu neto. Deixa que eu faço isso, por favor. Eu decorei o livro para mães — pediu Rosa, pegando o bebê apressadamente.
— Por que você não quer deixar?
— Porque eu não quero, porque eu entendi que você não estava disponível para cuidados, porque eu consigo dar conta da tarefa, por tudo isso.
— Você está sendo injusta com a sua mãe.

Maria Rosa deu as costas e trancou-se com Paulo no banheiro. Já tinha canecas com água morna preparadas perto da banheira. Despejou-as uma a uma. Tirou as roupas do bebê. Pensou em Julinho.

Não queria ver o detalhe que distinguia seu bebê dos outros. Mas era inevitável. Aos poucos, começou a observá-lo. Perdeu o medo e o nojo — assim como quando alguém descobre que o sangue é apenas algo que está dentro de si.

Quando começava a sentir compaixão pelo recém-nascido, ouviu baterem na porta do banheiro.

— Posso entrar? — pediu a mãe.
— Já falei que não quero ninguém aqui — devolveu.
— Deixa a sua mãe entrar, minha filha — insistiu a avó.
— Rosa, por favor — continuou dona Carolina.

A moça tirou o bebê da água, enrolou-o na toalha e abriu a porta, seríssima.

— Não quero escândalo, por favor — e demorou-se ao tirar o capuz da toalha.

A mãe pôs uma das mãos na boca e virou-se, de tanto susto. Sentiu as pernas amolecerem. Foi amparada por vó Constança e pelo médico.

— Cubra esse negócio — mandou o doutor.
— Não é negócio, é meu filho. Eu avisei que não queria vocês aqui.
— Vamos chamar o padre, minha filha — sugeriu a avó.
— Padre para quê? Para juntar gente aqui em casa? É isso que vocês querem? Jovem grávida, de 16 anos, dá à luz bebê de chifres. As pessoas chegam aqui em casa, vocês organizam fila e cobram entrada. Não sabia que vocês eram tão desprendidos com as aparências — retrucou a menina.

A criança começou a grunhir.

— Preciso ir embora. Mãe, vamos — disse Carolina, num começo de choro.
— É o melhor que vocês fazem — desabafou Rosa, fechando a porta de novo e devolvendo o bebê à água.

Estranhamente, os dias seguintes foram tão calmos quanto podem ser os dias de uma mãe cujo filho está longe de ser um bebê de propaganda. Paulo dava pouco trabalho. Dormia a noite inteira. Mamava nas horas certas. Rosa nem precisava falar muito com Dalva, muito menos com o caseiro, José — eles ficaram ali por pura piedade.

Rosa cuidava do filho e esperava por Julinho. Numa carta recente, ele prometera que viria buscá-la.

Numa noite, a jovem mãe fechou as janelas e verificou se as portas da casa estavam trancadas. Por isso mesmo, morreu de susto quando viu que o bebê não estava mais no berço.

— Dalva, José, cadê meu filho? — gritou, enquanto chamava os empregados.
— Como assim, dona Rosa, seu filho não está com você? — estranhou Dalva.
— Se não está com nenhum dos dois, foi levado daqui — concluiu a moça.
— Eu vou à cidade avisar a polícia. Não se leva uma criança assim — disse José.
— Calma, minha filha — pediu a empregada, enquanto ajudava a moça a sentar-se na sala.

Meia hora depois, a campainha tocou. Não era José.

— Quem é o senhor? — quis saber Dalva.
— Pode abrir, Dalva. É o Julinho — avisou Rosa.
— Cadê a mãe mais linda? — perguntou ele, afastando os cabelos da moça e descobrindo o rosto vermelho de choro.
— Levaram nosso filho — ela respondeu, abraçando-o.

Sem soltar Rosa do abraço, Júlio pediu licença à Dalva e levou a namorada para quarto. Trancou a porta.

— O que eu vou fazer agora? A polícia vai vir aqui e descobrir a minha história. Vou ter de ir embora daqui. Não vou ter paz nunca mais — lamentou a moça.
— Shhhhhhhh. Não fala assim. Minha tia morreu e eu vim buscar você. Nosso filho já está comigo.
— Onde está o Paulinho?
— Num lugar muito melhor que este — garantiu, antes de tomá-la pela última vez neste mundo.

Quando a polícia chegou, os empregados da casa não encontraram mais os jovens. Dalva e José só não foram presos porque o delegado temia demais as coisas do sobrenatural.

O policial que o acompanhava encarregou-se de tentar espalhar a lenda na cidade de Corumbá. Não conseguiu. A história metia muito medo na gente simples do lugar.

A família Camargo nunca mais voltou à casa nem tocou no assunto.


Essa é uma história totalmente de ficção, motivada pelas inúmeras pesquisas Google sobre o bebê de Corumbá.

Leia os textos anteriores: parte 1parte 2.

Um comentário:

Felipe disse...

Que susto! Já ia perguntar se vc tava grávida e eu não tava sabendo...

beijocas