Sábado, 7 de fevereiro, perto das 14h30. Acordo batendo de leve a lateral da cabeça na janela da van e vejo uma moça com uma fantasia indefinível descer as escadas de uma antiga pousada na cidade de Corumbá, no interior de Goiás. É uma roupa preta e rosa-choque, e sua dona me parece um tanto orgulhosa por vesti-la.
Não sei dizer quais são suas intenções. Parece uma garota de Harajuku, aquele bairro de Tóquio famoso pelas meninas de vestes loucaças. A mulher de preto e rosa ainda tem outro ponto em comum com suas similares japonesas: tira fotos de si mesma com uma super-ultra-câmera digital de mega-resolução-plus.
Gostaria de poder perguntar a alguém se estou vendo algo real ou se aquilo é fruto de uma alucinação causada por três horas de sol no cocoruto e remadas non-stop. Mas meus companheiros de van, já despertos, correram para o interior da pousada.
Vou ao banheiro lavar o rosto e dou de cara com mais duas admiradoras do Harajuku way of life: uma fadinha de asas brancas de pelúcia e outra toda vestida de verde-abacate, provavelmente uma fã da Sininho. Quero saber o que está acontecendo, mas os pensamentos vêm devagar e a voz não sai.
Quando me encontro com Erasmus, pergunto imediatamente:
- Você viu o que eu vi?
- O que você viu?
- Uma maluca de preto e rosa, uma fada e uma Sininho. Acho que viemos parar numa convenção de personagens de histórias infantis.
- Ali, junto com aquele cara de quimono e aquela Minnie de salto alto?
- Isso.
- Gente estranha - ele responde, me abraçando.
- Me tira daqui AGORA, please.
Fui rapidamente atendida.
Começo a achar novamente que o mundo faz sentido quando olho para um enorme e cheiroso bufê de comida caseira, com todas as cores e sabores e nutrientes necessários para quem acordou de madrugada, vestiu capacete e colete salva-vidas e se meteu num bote para remar e descer corredeiras. Encho o prato e respiro fundo enquanto como. Esse negócio de fazer rafting é uma delícia, mas consome as energias do cidadão. Volto ao bufê na dúvida se devo repetir os pratos salgados ou se experimento a sobremesa. A visão de suculentos e lustrosos figos em calda me ajuda a decidir.
Antes de devorar os figos, no entanto, avisto novamente a trupe de fantasiados. Meu prato quase cai em meio ao susto. Já passou, penso. Já passou.
Eu não parei em Corumbá, que fica no caminho de Brasília para Pirenópolis, depois de ser abduzida por extra-terrestres. Fui lá de livre e espontânea vontade, com reservas feitas uma semana antes, para participar do quarto rafting da minha vida. Engraçado isso: moro em Brasília há 16 anos e fiz rafting pela primeira vez há cinco. No entanto, sempre remei muito longe (em Gramado, no Rio Grande do Sul; em Mendoza, na Argentina; e no interior do Peru, a uma hora de Cuzco).
Não tinha me dado conta de que havia um rio tão pertinho daqui para matar a saudade de um dos poucos esportes radicais de que gosto (os outros dois são parapente e mergulho). Pois é. Apesar de bem menos rápidas do que as dos rios que já conheci - daí a necessidade de remar tanto, o tempo todo -, as águas do Corumbá proporcionam uns passeios legais e com quedas mais fortes do que em qualquer lugar onde já fui.
O que mais dizer? Que a paisagem é como em qualquer lugar onde se pratica rafting: maravilhosa. Lá, o cerrado não é nada tímido. As árvores são cheias e muito próximas umas das outras. E certas partes do rio são tão preservadas que ver borboletas (um indício da limpeza do lugar) é facinho. Eu mesma enxerguei duas azuis gigantes - longe de serem um fruto de qualquer alucinação. Observei um casal de corujas quietinho debaixo de uma ponte. E vi, no caminho, um monte de gente que olhava os botes e dava tchauzinho para os remadores. Muito legal.
No finalzinho do passeio, a uns 15km do ponto de saída, uma galera de locais estava à beira do rio. Todo o mundo nos dois botes achou que finalmente ia ter seu momento de fama quando viu que havia uma ambulância dos bombeiros no local. A multidão de curiosos estava de olho não no rafting, mas na possibilidade de ver um corpo sair do rio. Shit!
Por causa disso, tivemos de parar um pouco mais à frente. No problem. Quem já remou um tantão pode remar outro cadiquinho.
Antes de entrar na van e cochilar antes do almoço, deparei com um grupo de três crianças locais que me olhavam como quem dissesse: "Leve-nos ao seu líder". A mãe, uma jovem senhora de olhos azuis e lenço na cabeça, enxotou-as dali no minuto seguinte.
Mal sabia eu que este não seria o único momento inusitado da viagem. O que prova o seguinte: quanto mais a gente escreve sobre surrealidades, mais elas acontecem com a gente.
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Para saber quem oferece serviço de rafting no Rio Corumbá, clique aqui. O passeio dura em torno de três horas. E o pacote que contratei dá direito a almoço na pousada onde vi uma garota de Harajuku aportar em terras goianas.
4 comentários:
Ops! Isso é de verdade mesmo, né? Ou seja, baseado em fatos reais? Olha, Mari, os esportes mais radicais que pratico talvez sejam as caminhadas ou pedaladas aqui na minha cidade. E quem conhece sabe -e você há de concordar comigo - isso pode se tornar uma aventura das grandes. Pura adrenalina que, para mim, já está bom de tamanho. Hehehe
Lorena,
Sim, é tudo verdade!
Eu nunca tentei pedalar aqui (só no Eixão aos domingos), mas já andei muito pelo Plano Piloto inteiro e sou indignada com a falta de calçadas dessa cidade. Realmente isso transforma qualquer caminhada em uma aventura.
Bjo!
prazer, Mariana Ceratti aventureira.
Solin :)
um xero da paraíba, onde não se vê garotas de Harajuku. fique tranquila :D hehehe
Solin,
Me pergunto como seria o desfile de uma garota de Harajuku na Epitácio Pessoa em hora de rush.
Seria um momento muito surreal?
Xêros! :-D
Mari
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